Após mudar frota, Voepass disse que modelo de avião que caiu tinha manutenção mais barata
Com uma história marcada por problemas financeiros vividos na década passada, a Passaredo (hoje Voepass) disse à Justiça em 2012 que havia paralisado a operação com jatos ERJ-145, da Embraer, devido ao alto custo de manutenção. Naquele ano, a companhia havia começado a usar aeronaves ATR- 72, mesmo modelo do avião que caiu em Vinhedo (SP), no último dia 9, causando a morte de 62 pessoas.
Em seu pedido de recuperação judicial, protocolado pela então Passaredo em outubro de 2012, a companhia aérea disse que aviões ATR-72 possuíam custo menor de manutenção, consumiam menos combustível e transportavam mais passageiros do que um jato ERJ-145, da Embraer.
No documento, a empresa também afirmou ter sido prejudicada por uma operação predatória em São Paulo.
Os advogados da empresa compararam os dois modelos levando em consideração um voo entre Guarulhos (SP) e Ribeirão Preto (SP). Enquanto o avião da Embraer, com 50 assentos, gastava mil litros de combustível para completar o trajeto em 35 minutos, aviões ATR-72 gastavam 600 litros de combustível e carregavam 70 passageiros em um voo que durava 40 minutos, afirmou a companhia no documento.
Procurada pela Folha, a Voepass afirmou que a principal diferença econômica entre o ATR e o ERJ-145 está no custo-assento. A companhia afirma que o modelo usado em suas operações atualmente é seguro.
“Como o ATR transporta 70 passageiros, e o ERJ-145 apenas 50, o custo-assento de manutenção e combustível acaba sendo maior no jato e menor no ATR, pois ele é diluído em um número maior de assentos. O ATR é um avião seguro, com uma frota com mais de 1.500 aeronaves operando em todo o mundo e atendendo todas as exigências e protocolos de operação internacionais”, declarou a companhia, em nota.
Até 2008, a Passaredo operava com aviões EMB 120 Brasília. Fabricada pela Embraer, a aeronave tinha capacidade para 30 passageiros e chegava a pouco mais de 500 km/h em sua velocidade máxima.
Diante de uma demanda maior, a companhia passou a expandir a frota e, no fim de 2010, possuía 12 aeronaves, das quais nove eram ERJ-145, também da fabricante brasileira, e três eram EMB 120 Brasília. Além disso, naquele momento, a Passaredo já havia encomendado mais oito aviões da Embraer para o ano seguinte.
O cenário mais otimista mudou a partir de 10 de dezembro de 2010, quando a empresa disse ter sido “surpreendida pelo início de uma operação predatória no aeroporto de Ribeirão Preto”. Segundo a Passaredo, uma companhia rival sobrepôs rotas e horários sobre sua principal malha e vendeu bilhetes a um preço de R$ 9.
Naquela data, a companhia aérea Webjet —que no ano seguinte foi adquirida pela Gol— havia começado a operar diversos voos diretos ligando Ribeirão a cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador.
Na ocasião, a Webjet garantia até nove lugares por voo pelo preço de R$ 9. Quando os assentos se esgotavam, o valor da passagem subia progressivamente.
“Evidente que a operação levada a efeito por empresa concorrente, totalmente predatória e caracterizada de ‘dumping’, causou enorme perda de receitas à requerente [Passaredo], a qual, do dia para a noite, perdeu mais de 30% de seu faturamento em decorrência dos preços praticados por sua concorrente”, disseram os advogados da Passaredo, em 2012.
Além da pressão da concorrência, a Passaredo citou aumento nos custos de operação depois de o setor registrar alta no preço do QAV (querosene de aviação, usado como combustível) em 2011. A companhia afirmou que, naquele ano, sofreu um prejuízo de R$ 50 milhões.
Descrevendo o movimento como uma “adequação em suas atividades”, a Passaredo deixou de receber, então, três das aeronaves ERJ-145 que havia encomendado para 2011 —posteriormente, parou de usar o modelo por causa do custo de combustível e de manutenção.
Os aviões da Embraer haviam sido adquiridos por meio de leasing (que funciona como um aluguel), sem opção de compra. Com a devolução de aviões a seus donos, a empresa disse que teve de cancelar voos e assumir os custos de reacomodar passageiros que já haviam comprado passagem.
Em meados de 2011, já diante de problemas financeiros, a Passaredo celebrou contrato para adquirir aeronaves do modelo ATR-72 –que começaram a ser operadas em junho do ano seguinte. Na data em que protocolou o pedido de recuperação judicial, em outubro de 2012, a companhia operava aeronaves ATR 72-600, com capacidade para 70 passageiros, e ATR 72-500 (modelo do avião que caiu no interior paulista), com capacidade para 68 passageiros, obtidas por leasing.
A Passaredo disse na época que, mesmo com um cenário negativo, o avião era rentável. “Embora reduzida e mesmo ante um cenário negativo, ainda assim a operação com as aeronaves modelo ATR-72 mostra-se rentável, posto que, dessa forma, a requerente [Passaredo] consegue transportar 40% mais passageiros do que fazia utilizando-se de jatos regionais, com um custo muito menor por assento.”
O pedido de recuperação judicial da Passaredo perdurou até agosto de 2017, quando a juíza Carina Roselino Biagi disse que o plano de recuperação havia sido cumprido pela empresa.
Hoje chamada de Voepass, a empresa continua a operar com aviões da companhia ATR nos modelos 72-500, 72-600 e 42-500. A fabricante das aeronaves é franco-italiana, foi fundada em 1981 e tem sede na França. A ATR afirma já ter vendido mais de 1.800 aviões ao redor do mundo para mais de 2.000 rotas.
O voo 2238 da Voepass, que caiu em Vinhedo, era operado por meio de um ATR 72-500. O modelo é um turboélice bimotor de médio porte e asas altas (acima da fuselagem, diferentemente do observado em aviões maiores de fabricantes como Boeing, Airbus e Embraer) com projeto voltado para o mercado civil de transporte regional.
Raio-X da Voepass
Fundação: 1995 (como Passaredo)
Sede: Ribeirão Preto (SP)
Fatia no mercado aéreo brasileiro: 0,6%
Frota: aviões ATR, nos modelos 72-500, 72-600 e 42-500
Folha de São Paulo