Após vitória de Trump, movimento feminista radical ganha força nos EUA
Após os resultados da eleição nos Estados Unidos, Jada Mevs, 25, moradora de Washington, tem incentivado mulheres a agir matriculando-se em aulas de autodefesa, apagando aplicativos de namoro, começando a usar anticoncepcionais e investindo em vibradores.
Em resposta à eleição de Donald Trump para um segundo mandato como presidente e ao fracasso de três referendos que teriam protegido o direito ao aborto na Flórida, em Nebraska e na Dakota do Sul, Mevs e outras mulheres estão chamando atenção para o movimento feminista radical 4B.
O movimento, que começou na Coreia do Sul, propõe a rejeição de relacionamentos heterossexuais, casamento, sexo e procriação. Embora ainda seja cedo para avaliar a adesão nos EUA, já há mulheres online adotando essas ideias como forma de autoproteção.
“Se não podemos controlar o que eles fazem em termos de legislação e direitos ao aborto, precisamos fazer algo por nós mesmas”, diz Mevs.
“Começando por cortar a influência masculina em nossas vidas e garantindo que estamos tomando precauções de segurança, visitando ginecologistas e nos preparando da melhor forma para janeiro e os anos seguintes.”
Mevs publicou um vídeo no TikTok explicando por que acredita que as mulheres devem adotar essa postura. Ela já vinha afastando os homens de sua vida havia cerca de dois anos, focando mais em si mesma. Agora, ela afirma que suas razões se expandiram para proteger sua segurança e saúde.
“O que realmente me atraiu para esse movimento foi tomar meu corpo e meus interesses nas minhas próprias mãos”, diz.
O movimento original 4B ganhou impulso em 2019, quando as mulheres na Coreia do Sul começaram a confrontar desigualdades de gênero profundamente arraigadas. O movimento se intensificou durante as eleições de 2021 no país. As quatro palavras “B” representam a recusa do casamento heterossexual, da procriação, do namoro e do sexo.
Segundo Katharine Moon, professora de ciência política no Wellesley College, a principal diferença entre o 4B nos EUA e o que existe na Coreia do Sul é a centralidade do casamento.
“Isso não diminui os grandes desafios que as mulheres americanas enfrentam, especialmente as mais jovens, em relação aos direitos reprodutivos“, diz Moon, cuja pesquisa abrange a aliança EUA-Coreia e a política do Leste Asiático. “Mas, para mulheres e homens na Coreia do Sul, até recentemente, ser reconhecido como adulto socialmente exigia o casamento.”
Nos últimos 20 anos, as mulheres sul-coreanas conquistaram mais acesso à educação, superando os homens em matrículas universitárias, o que possibilitou a vida de solteira. Não ser casada, contudo, pode transformar a mulher em pária social, e rejeitar o casamento se tornou uma declaração radical, segundo Moon.
As buscas por “4B Movement” nos EUA dispararam no dia seguinte à eleição, segundo o Google Trends. Dezenas de vídeos surgiram no TikTok em 48 horas, com usuários compartilhando por que apoiam ou não o movimento. Com a revogação de Roe v. Wade e a oposição de Trump ao aborto, há temores de que seu governo possa implementar uma proibição federal ao aborto.
Aliado a isso, cresce a preocupação com a misoginia online, conhecida como a “machosfera”, e sua vertente de cultura “incel” —homens que se autodenominam celibatários involuntários e depreciam mulheres.
Alexa Vargas, 26, técnica de laboratório de Boston, incorporou as ideias do movimento 4B ao seu estilo de vida. Ela já estava se abstendo de namorar e de ter relações sexuais há mais de dois anos e, após os resultados das eleições, decidiu aderir ao movimento.
“Acho que agora, mais do que nunca, apoio a ideia do 4B porque as mulheres estão cansadas de os homens não se importarem com nossa saúde e segurança”, diz.
Embora um dia considere voltar a namorar, ela afirma que isso não é prioridade. “Acho que seria necessário um homem muito especial para me fazer quebrar esse movimento”, acrescenta.
Moon diz acreditar que o 4B não se tornará amplamente popular nos EUA porque a ênfase em não premiar os homens com acesso ao corpo feminino se baseia em uma questão —o direito ao aborto— e não em um estilo de vida.
“É uma maneira temporária de chamar a atenção para a situação precária das mulheres, com Trump ascendendo ao poder”, diz. “Portanto, não se trata realmente de um compromisso total com um modo de vida sem homens. Na Coreia do Sul, é um modo de vida.”
Há preocupações de que o movimento 4B possa incitar violência por parte de homens que discordam do direito das mulheres de se abster das quatro práticas, motivo pelo qual Mevs está considerando aulas de boxe. Ela enfatiza que a segurança feminina nunca foi garantida após uma rejeição.
“Se as mulheres fazendo isso afetarem o país todo, ótimo, essa é a mensagem”, diz. “Se você quer que este país funcione de forma eficaz, talvez deva devolver os direitos às mulheres. É simples assim.”
Informação
Folha de São Paulo