Brasil errado
Se há algo recorrente no debate público é o diagnóstico de que há algo “errado” nas instituições políticas brasileiras. Martins de Almeida chegou a publicar, em 1932, um livro com o título “Brasil errado: ensaio politico sobre os erros do Brasil como país”. Sua crítica não é original, mas é emblemática de uma certa visão do Brasil que é sempre atualizada.
Nesta visão nossas instituições —o presidencialismo, o federalismo etc— são criticadas como construções artificiais. A culpa é do “ruibarbosismo”, na expressão daquele autor. Ideias fora de lugar. O que valeria também para a democracia ou o liberalismo —vistos não como valores universais mas como algo que não “pegaria aqui”. Estaríamos fadados a sermos sempre um simulacro. A solução implícita é a de um governo forte que se impusesse por cima das regras, dos partidos, estes entes artificiais. Por que se preocupar com habeas corpus e o autoritarismo se as pessoas estão morrendo de fome, bradam iliberais à esquerda e a direita. No limite, as instituições não importam, o tipo de sociedade que temos sim.
No polo oposto —hiperinstitucionalista— estão os que sustentam que reformas institucionais dão conta do recado. O pressuposto principal é que existiriam instituições perfeitas. Durante algum tempo o modelo normativo da democracia —e não só para o Brasil, para a maior parte das nações— era o Reino Unido. A combinação de governo parlamentar e de partido único (devido ao voto distrital) garantia eficiência e estabilidade.
O problema é que se gera um déficit de representação: a regra eleitoral garante “maiorias artificiais” para partidos que obtêm tipicamente pouco mais de um 1/3 dos votos. Partidos médios são subrepresentados (chegam a ter 25% dos votos e 0,5% das cadeiras). Outro problema é que o segundo partido mais votado ganha as eleições (duas vezes seguidas na Nova Zelândia; nos EUA; o colégio eleitoral nos EUA também gera “vencedores errados”).
A partir da década de 70, o modelo normativo deixa de ser o majoritário e passa a ser o chamado consensual (Alemanha, Dinamarca etc), com governos multipartidários de coalizão. Separação de poderes, cortes constitucionais fortes e barganhas para a construção de maiorias, no entanto, produzem um déficit crônico de legitimidade. Impossível não saber como as leis e as salsichas são feitas, como queria Bismarck. Quando a barganha é exposta nas páginas criminais, como tem sido frequente entre nós, o cinismo cívico se instala
Não existe sistema politico ideal: o desenho institucional é um esforço elusivo de conciliar inclusividade e eficiência; afinal um governo deve ser não só representativo mas também “governar”.
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Folha de São Paulo