Economia

Brasil não pode esperar 2026 para ver que biometano é oportunidade, diz empresário; veja vídeo

Um dos principais porta-vozes das empresas do segmento de biogás no debate do projeto de lei do Combustível do Futuro, Alessandro Gardemann, fundador da Geo Bio Gás&Carbon, afirma que o Brasil precisa se apressar para estar preparado em 2026, quando a União Europeia começar a aplicar a taxa de carbono, tributando mercadorias importadas com base nos gases de efeito estufa emitidos durante a produção.

Para o empresário, que também preside o conselho da associação setorial Abiogás, o país tem potencial para ser um grande provedor de produtos industrializados de baixa intensidade de carbono fóssil, mas precisa induzir investimentos na área e criar oferta do biometano.

“É uma oportunidade gigantesca para o Brasil. Só que precisamos criar oferta. Não podemos esperar chegar 2026 para daí a indústria brasileira, os consumidores e a sociedade perceberem que têm uma oportunidade”, diz.

Recentemente a Geo e a Copersucar anunciaram parceria para desenvolver tecnologia para produzir SAF [Combustível Sustentável de Aviação] a partir do biogás. É para quando?
A Copersucar é a companhia que provavelmente tem a maior quantidade de resíduos concentrada no mundo. A gente já começa a implantação da primeira unidade agora. Apesar de ser uma planta pioneira, ela já vai vender produto comercialmente. São só 200 mil litros por ano, mas vamos vender comercialmente. Começa a operar no fim do primeiro semestre de 2025.

E vai virar realidade quando? Se ainda é uma quantidade pequena, qual é a sua previsão, sendo que um dos desafios do SAF é a escala?
Há outro ponto em que estamos avançando, queremos estar prontos, no fim do ano que vem, para construir uma unidade em escala industrial. Com 50 milhões a 100 milhões de litros por ano. Queremos estar prontos para a tomada de decisão com a engenharia e projeção de investimento. Queremos focar produtos de combustível avançado, feito a partir de resíduos, para atingir mercados que vão ter os maiores prêmios.

Nossa visão é que o mercado europeu vai ter o maior déficit de combustível avançado e também tem a maior quantidade de requisitos de sustentabilidade. É para isso que a gente quer se preparar. O que a gente faz? A gente pega resíduos orgânicos que têm potencial de decomposição e transforma em biogás. Passa em um processo que foi desenvolvido na década de 1920 na Alemanha, que transforma esse biogás em líquido. Na verdade, você produz um petróleo cru sintético verde. É uma mistura de querosene, diesel e gasolina verdes.

A frota de aviões vai estar preparada ao mesmo tempo?
O segredo do negócio é produzir o combustível drop-in, em que pode usar exatamente a mesma infraestrutura e a mesma logística de abastecimento sem ter que trocar os aviões. Vamos fazer produtos quimicamente idênticos ao fóssil. Hoje, segundo os órgãos certificadores, você pode adicionar 50% de SAF, dependendo da rota de produção, ao combustível fóssil. A tecnologia é a mesma. Então você pode ter um substituto integral do produto.

E o custo do combustível, que é uma das grandes reclamações do setor aéreo? O SAF pode ser competitivo, e em quanto tempo, em relação ao fóssil?
Se acreditarmos no aquecimento global, e sem entrar nessas discussões, existe uma quantidade de carbono que podemos emitir até atingir esse pico de aquecimento. Todos os dias que a gente tira do solo um carbono que estava enterrado havia milhões de anos e o queima, trazendo para a superfície, estamos gastando uma parte da poupança de carbono. Isso tem um custo. Não podemos somente associar o custo direto de extrair o carbono do solo com a produção dele. Isso eu acho que é a primeira coisa.

A segunda é que a gente tem que ter escala. Se fizermos uma unidade industrial de 60 milhões a 100 milhões de litros ano, e se o mundo extrair 100 milhões de barris dia de petróleo, então, temos de ganhar escala para poder competir. Temos de criar mecanismos para reduzir o custo da transição energética para a sociedade.

E como se reduz esse custo?
Criando mecanismos inteligentes de competição entre as diferentes tecnologias, tentando dar livre acesso aos mercados para que as fontes mais competitivas prevaleçam. Também há regiões geográficas mais competitivas. O Brasil é um grande provedor de todas essas moléculas. Temos de garantir acesso, pelo menos igualitário, para o Brasil nos mercados internacionais. Nessa questão de competitividade, dentre as rotas disponíveis, a nossa pode ser das mais competitivas, principalmente pelos atributos associados que ela tem, ao trabalhar só com resíduos, conseguir operar o ano inteiro, reduzir muito risco. Ao produzir localmente, em países amigáveis, o risco geopolítico se reduz muito.

Estamos em uma rota promissora de competitividade, inclusive em preço. Mas vamos precisar de política pública para esse negócio acelerar. A gente entende que a decisão pela transição energética já foi tomada. Hoje, na Europa, parte da população toma decisão de consumo baseado em intensidade de carbono. Vou viajar para onde nas férias? Vou tomar decisões de acordo com a minha emissão de carbono para aquele trecho.

O mercado europeu já está mais maduro. Mas não tira a obrigação do Brasil de criar uma política e criar escala. Ser o grande provedor de produtos industrializados de baixa intensidade de carbono fóssil talvez seja a grande oportunidade de o Brasil se industrializar. Talvez a última. Para isso, tem de ter escala. Não deveríamos ser só exportadores de matéria-prima.

Você foi um porta-voz importante do setor na briga do projeto de lei da descarbonização dos combustíveis, o Combustível do Futuro. Como foi a experiência de conduzir um diálogo tão ruidoso como esse à frente da Abiogás?
Não acho que foi uma briga nem foi ruidoso. Foi uma construção. Primeiro, tentamos construir um consenso com todos os elos da cadeia do gás, e uma política no mesmo sentido, que minimizasse o custo de transição. O Brasil tem vontade de ter uma política de transição energética? Tem, tanto que o combustível do futuro é uma política de Estado. Começou no governo anterior e foi assumido pelo novo governo. Então, acho que é claro que o Brasil entende o papel da transição energética, inclusive a população, vide o programa bem-sucedido do Proálcool, agora do etanol. O Brasil é referência nesse tema globalmente. Todo o mundo inveja. Muito americano e europeu que vem aqui e vê o posto abastecendo carro flex se surpreende. Muitas vezes, não damos o devido valor porque isso é tão natural.

Em relação ao gás, a premissa era a de que a gente precisa criar oferta. O biometano é um combustível avançado, só de resíduos, drop-in, idêntico ao fóssil. A mesma coisa que eu falei do SAF se aplica a ele também. Pode usar a mesma infraestrutura. E ele interioriza o gás no Brasil, que é um lugar onde o gás está localizado principalmente na costa. Ele leva para o consumo. Isso pode criar um efeito virtuoso. Com mais oferta distribuída, você pode ter mais consumo. Cria infraestrutura local e pode ser usado para fazer produtos de alto valor agregado e baixo carbono, tal como amônia verde, metanol verde, aço verde e mesmo hidrogênio verde.

A Europa começa a entrar com políticas públicas que vão cobrar intensidade de carbono. Lá, se você quiser importar alguma coisa que seja intensiva em carbono fóssil a partir de 2026, vai pagar taxa. Quem produzir produto sem carbono vai ter um prêmio associado. E, no caso do biometano, sem ter de mudar nada na fábrica.

Isso é uma oportunidade gigantesca para o Brasil. Só que precisamos criar oferta. Não podemos esperar chegar 2026 para daí a indústria brasileira, os consumidores e a sociedade perceberem que têm uma oportunidade. Então, o que a gente quis criar? Uma política que induzisse investimento. O produtor de biometano, com o combustível do futuro, sabe que vai ter um mercado mínimo. É um mercado de 1% a 10% no mercado de gás. O 1% já tem oferta hoje.

Mas os consumidores do gás natural reclamaram de preocupação com alta de custo [pela proposta de adição dos percentuais obrigatórios de biometano], não?
O primeiro ponto é: vamos criar uma âncora de demanda futura para que os investidores, aqueles que querem investir em plantas de biometano, tenham certeza de que vai haver um mercado mínimo. Ninguém vai fazer se não tiver demanda clara. O segundo ponto é: junto com a compra mínima, a gente propôs um certificado de garantia de origem de biometano, o CGOB. Isso é desassociado da molécula de gás. Então, eu produzo o biometano, gero um certificado e é isso que o produtor de gás natural vai ter que comprar. Ao comprar isso, ele atende o requisito obrigatório dele de compra de biometano, mas ele vai poder revender esse certificado para aqueles que estão dispostos a pagar o prêmio desse biometano. Então, não necessariamente essa adição obrigatória vai ser repassada ao consumidor de gás natural.

E o desafio da distribuição, do escoamento do gás?
Estamos nesse negócio de biogás há 18 anos. A primeira regulamentação do biometano é de 2017 ou 2018. Aí teve a Lei do Gás, em 2019 e 2020. Amadureceu e ficou pronto para essa oferta nova de gás. Um produtor de biometano nada mais é do que um poço de gás renovável, que não acaba, e perto do consumidor. Todas as alternativas existentes para o gás natural valem para o biometano. Se tem um duto de gás natural passando, você pode entrar e usar essa infraestrutura disponível.

No interior, você pode transportar esse gás por caminhão e levar ao cliente. Você pode usá-lo na própria produção. Se gasta muito diesel para transportar resíduo sólido urbano, por que não usar o próprio biometano dele para substituir o diesel? Tem um dado interessante de que o resíduo sólido da Grande São Paulo tem biometano para substituir o transporte público da cidade de São Paulo. Ter o lixo da cidade substituindo o diesel eu acho que é um conceito de economia circular bem interessante. No agro, é a mesma coisa. Por que não usar esse biometano para substituir diesel na frota? Hoje, tem caminhão e trator a gás.

Outra coisa é o conceito de dutos isolados. Em cada grande cidade brasileira tem um grande provedor de resíduo, seja sólido urbano, do agro, cana, potencial sucroenergético. Por que não fazer duto regional? O Brasil não vai universalizar o gás se não tiver produção descentralizada. É uma novidade e precisa criar a cadeia. Mas acho que os elos todos estão presentes no Brasil. Tem produtor de caminhão e ônibus a gás, tem gente interessada em produzir trator a gás. Essas coisas estão acontecendo.

É verdade que foi você quem cunhou a expressão “pré-sal caipira”?
(
risos) Isso já tem uns dez anos. Fizemos umas contas e, de fato, podemos produzir no Brasil em torno de 600 mil a 800 mil barris equivalentes por dia de biometano. O Brasil hoje deve estar produzindo 2 milhões de barris dia no pré-sal. Imagine o que significa ter 30% a 40% disso descentralizado, sem risco exploratório, perto do consumo e que não acaba. No pré-sal, você vai lá a 200 milhas da costa, 2.000 metros de água, e corre risco de não achar nada. Depois de tudo isso, depois de dez anos, isso se esgota.

Essa foi a inspiração da expressão do pré-sal caipira. Tem gente que critica, diz que caipira não é sofisticado o suficiente, mas eu, sendo caipira, sinto orgulho de termos esse potencial no Brasil a partir do resíduo. É um negócio gigantesco.


RAIO-X | Alessandro Gardemann, 42

Formado em administração de empresas pela Eaesp-FGV, fundou a Geo em 2008 e foi um dos idealizadores da ABiogás, associação do setor, cujo conselho administrativo preside hoje

Folha de São Paulo

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