Economia

Como Jeff Bezos virou um problemático tubarão da mídia – 22/06/2024 – Mercado

Nesta semana, Jeff Bezos interrompeu suas férias em Mykonos, na Grécia, onde passeava a bordo de seu iate Koru de US$ 500 milhões com sua noiva Lauren Sánchez, para tranquilizar os agitados jornalistas que trabalham em seu deficitário Washington Post.

“Eu sei que vocês já ouviram isso de Will, mas eu também queria me manifestar diretamente: os padrões jornalísticos e éticos do Post não mudarão”, escreveu o fundador da Amazon.

A figura a quem ele emprestou seu apoio após dias de turbulência interna foi Will Lewis, ex-jornalista do jornal Financial Times e ex-editor do Daily Telegraph. A gestão de Lewis do jornal que Bezos adquiriu em 2013 por metade do preço de seu iate está sob intenso escrutínio. Mas o memorando tinha um detalhe: “O mundo está evoluindo rapidamente e precisamos mudar como negócio”.

O brilhantismo de Bezos em transformar setores desde que fundou a Amazon, há 30 anos, lhe rendeu uma fortuna de US$ 204 bilhões e o possibilitou construir sua empresa espacial Blue Origin. Mas tem sido difícil transformar o Washington Post, com seu orgulhoso grupo de jornalistas vencedores do prêmio Pulitzer se esforçando para honrar sua missão em meio ao dilúvio digital de informações.

As tensões surgiram quando Lewis, publisher e CEO do Post, se dirigiu aos jornalistas após a renúncia de Sally Buzbee como editora-executiva.

“Estamos perdendo grandes quantias de dinheiro… as pessoas não estão lendo o que vocês escrevem”, disse.

Sua solução foi dividir as responsabilidades editoriais e contratar Robert Winnett, editor-adjunto do Telegraph no Reino Unido, para liderar uma das três divisões da Redação.

No transtorno subsequente, o jornal The New York Times e o próprio Post publicaram matérias levantando suspeitas sobre o passado de Lewis e Winnett. Nesta sexta-feira (21), Winnett desistiu de assumir o posto.

É um assunto delicado, já que Lewis está entre um grupo de jornalistas britânicos experientes sendo contratados por empresas de notícias dos EUA, incluindo Emma Tucker, editora-chefe do Wall Street Journal.

Bezos agora enfrenta pedidos para desempenhar um papel mais direto na gestão do Post em meio à crise. “Ele precisa se envolver mais”, disse Kara Swisher, jornalista de tecnologia que começou sua carreira na sala de correspondência do Post, nesta semana. Alguns sentem falta dos dias em que o jornal era gerido e controlado pela família Graham.

“Este lugar foi construído em torno de uma presença familiar”, afirma um jornalista do Post.

Don Graham, filho da editora Katharine Graham, convenceu Bezos a adquirir o Post por US$ 250 milhões quando a internet começava a ser uma ameaça.

Bezos resistiu inicialmente, mas depois concluiu que era importante resgatar “o jornal da capital do país mais importante do mundo”, como ele mesmo disse.

A riqueza, perspicácia tecnológica e habilidade empresarial de Bezos pareciam funcionar a princípio. Até 2018, a audiência digital do Post se expandia, o jornal voltava a dar lucro e sua compra parecia ter sido justificada.

“Quando eu tiver 90 anos, uma das coisas das quais mais me orgulharei será de ter assumido o Post e de ter ajudado em uma transição muito difícil”, refletiu.

Mas ele falou cedo demais. Abaixo da superfície, o Post permaneceu um veículo local, em vez de um jornal com alcance nacional e global, ainda que sua cidade seja Washington.

À medida que o “efeito Trump” no tráfego digital desaparecia, faltava-lhe o peso do New York Times. Nesse contexto, nem Buzbee nem Fred Ryan, ex-editor, tinham uma resposta.

O Post era uma escolha estranha para Bezos, um inovador incansável que fundou a Amazon em Seattle aos 30 anos, depois de sair de um fundo de investimento em Wall Street. Outros empreendimentos de mídia da Amazon, o Kindle na publicação de livros e o streaming do Amazon Prime, desafiaram os incumbentes em vez de reconstruir uma marca estabelecida.

Bezos também evoluiu pessoalmente desde a compra do Post. Ele sempre foi um homem efusivo com uma risada alta, mas sua amigável nerdice deu lugar a uma persona mais musculosa e chamativa após se divorciar de MacKenzie Scott em 2019 e começar um relacionamento com Sánchez.

O executivo tem se concentrado na rivalidade da Blue Origin com a SpaceX de Elon Musk desde que deixou o cargo de CEO da Amazon em 2021, embora permaneça como presidente do conselho.

Seu grande respeito pelos repórteres do Post, combinado com sua distância deliberada da gestão, permanece inalterado. Ele convida grupos para sua mansão no bairro de Kalorama, na Capital, e os jornalistas dizem que sua postura é elogiosa.

No entanto, Bezos deixou grande parte da supervisão editorial para outros, como se o setor de notícias tivesse uma qualidade mística que está além dele.

Essa deferência não é compartilhada por Musk, que disse no festival de publicidade Cannes Lions desta semana que os jornalistas, em sua maioria, “leem a internet e imprimem”, e que esse trabalho pode ser substituído pela “soma em tempo real da sabedoria de milhões de pessoas” em sua plataforma X.

Enquanto Musk promove a tecnologia, Bezos confia no fator humano. Mas o desafio do Post é urgente, e por trás da agitação sobre o jornalismo nos EUA e no Reino Unido está a questão do que ele fará se Lewis, seu agente da mudança, for expulso da Redação.

Como Bezos escreveu sobre as culturas corporativas na carta de 2015 aos acionistas da Amazon, “para o bem ou para o mal, elas são duradouras, estáveis, difíceis de mudar”. Sua paciência com esta pode não durar para sempre.

No ano seguinte, ele escreveu sobre por que sempre administrou a Amazon como se ainda fosse “o primeiro dia”.

“O Dia 2 é estático. Seguido por irrelevante. Seguido por um declínio exaustivo e doloroso. Seguido pela morte.”

Seria do seu feitio observar o tumulto no Post e se perguntar se, apesar de todos os Pulitzers, é esse seu destino.

Folha de São Paulo

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