Conversa difícil: como falar com os filhos sobre doenças graves dos pais?
Meu paciente Alexandre tinha apenas 8 anos quando sua mãe foi diagnosticada com um agressivo tumor cerebral. Nunca lhe explicaram a gravidade da situação. Durante a internação de quase um ano, Alexandre não foi levado nenhuma vez ao hospital para vê-la. A única comunicação que recebeu foi um telefonema informando que a mãe voltaria em breve para casa, o que, de fato, nunca aconteceu. Após a morte, a família, incluindo o pai, não abordou o o assunto.
Foi como se a mãe dele tivesse desaparecido no ar. Por que as coisas se passaram assim? Talvez a família pensasse que, dessa forma, estaria poupando o menino de sofrimento. Talvez julgasse que ele não percebia o que se passava à sua volta. Pode ser que os adultos estivessem tão envolvidos com a própria dor que não tenham considerado o pequeno espectador ao lado. O fato é que, aos 25 anos, Alexandre ainda enfrenta o desafio de processar o acontecido e continua a viver o luto pela perda da mãe.
Diagnósticos severos, ameaçadores à vida ou crônicos são uma realidade frequente para pais de crianças e adolescentes em todo o mundo. Nos Estados Unidos, estima-se que 14% das pessoas diagnosticadas com câncer têm filhos menores de idade. No Japão, 56 mil novos pacientes com câncer diagnosticados por ano têm filhos ainda dependentes. Embora diagnósticos severos de saúde dos pais impactem a família toda, tradicionalmente o foco é no paciente, deixando em segundo plano a comunicação para outros membros da família, particularmente filhos menores de idade.
A literatura sobre esse gap relata essa atitude não só com relação ao câncer. Essa conduta também se dá diante de várias outras condições como esclerose múltipla, anemia falciforme, HIV, depressão.
A necessidade de orientar famílias sobre como comunicar situações de saúde complexas impulsionou uma área específica de pesquisa. Entre os principais grupos dedicados a essa questão está o departamento de Psiquiatria de Oxford, na Inglaterra. Esse grupo não apenas publica estudos significativos, mas também organiza materiais e workshops para apoiar pais, famílias e profissionais de saúde.
Há alguns anos, pesquisadores e clínicos de Oxford, em parceria com colegas de universidades ao redor do mundo de países desenvolvidos e em desenvolvimento, reuniram-se para publicar uma série de diretrizes sobre a comunicação entre profissionais de saúde, pais e filhos menores de idade sobre doenças graves dos pais.
Existem várias razões para incluir os filhos na transmissão de informações sobre as doenças de um genitor. Discordando de pensamentos mais tradicionais, as crianças são altamente perceptivas e notam alterações na rotina da casa, mudança no comportamento dos pais, surgimento de medicamentos e as sistemáticas visitas a médicos. Sentem ainda a tensão no ambiente, percebendo que algo está errado, mesmo que não compreendam completamente a situação. Sem informações claras, elas tentam entender por conta própria o que está ocorrendo, frequentemente criando cenários mais terríveis do que a realidade. (“Será que meu comportamento ruim adoeceu meu pai?”, “Será que vou morrer também?”).
Além da experiência clínica, a literatura científica aponta que esclarecimento correto sobre a doença de um dos pais pode fortalecer a confiança dentro da família e melhorar o bem-estar emocional. Sem romantizar essa difícil situação, famílias que passaram por isso relatam que a necessidade de lidar em conjunto com algo assustador fortaleceu a união familiar . Um exemplo: no Reino Unido, mães com câncer de mama que compartilharam o diagnóstico com os filhos preservaram a confiança e facilitaram as conversas entre os familiares.
Estudos na Dinamarca e na África do Sul atestaram que, na conjuntura de pais que se comunicavam abertamente, a depressão foi, de certa forma, controlada. Por outro lado, em doenças atreladas a estigma, como HIV, a comunicação com os filhos pode até aumentar a adesão do doente ao tratamento. Já nos EUA, mães HIV positivas que escondiam seu estado de saúde, frequentemente pulavam doses de medicação e faltavam a consultas médicas com o objetivo de evitar que os filhos descobrissem o diagnóstico. No geral, falar claramente sobre a doença pode trazer benefícios emocionais e físicos significativos para toda a família, assim como dos filhos.
Entrevistas com crianças, adolescentes e pais ajudaram a identificar preferências na maneira de transmitir informações sobre a doença de um genitor. Embora existam variações individuais e seja essencial considerar a idade da criança e a situação da família, há um consenso: os filhos desejam informações claras e simples sobre o diagnóstico, tratamento e prognóstico dos pais. Eles também querem saber como a doença mudará sua rotina.
Essa comunicação deve ser rápida e atualizada, à medida que ocorrerem mudanças nas condições ou aparência do doente (como maior cansaço, irritabilidade ou inchaço, por exemplo). Mas há nuances importantes na forma de passar os esclarecimentos. As crianças esperam que essas informações sejam filtradas ou suavizadas de acordo com o quanto elas se sentem preparadas para saber.
Uma boa dica é responder a manifestações de curiosidade e perguntas de esclarecimentos feitas pelos jovens em vez de se antecipar. Em geral, os filhos relatam sentir menos ansiedade ao saber o que está acontecendo do que permanecendo no escuro, mas é crucial respeitar o tempo e a maneira como cada um processa essas informações.
Existem vários outros aspectos importantes nesse diálogo, que Louise Dalton, Alan Stein, e Elizabeth Rapa, os pesquisadores do grupo de Oxford, denominam de comunicação eficaz. Além das informações objetivas, crianças e, principalmente, adolescentes precisam de espaços para expressar sentimentos e discutir suas preocupações sem o peso de se sentirem um fardo para os pais.
Ter um dos pais com uma doença grave pode gerar não só medo, mas sentimentos de culpa ou a sensação de estar sendo egoísta ao considerar as consequências para si próprio. Isso deve ser levado em conta na conversa com os jovens – a mensagem deve deixar claro que é normal e aceitável sentirem-se assim. Um tópico especialmente delicado é a possibilidade da morte do familiar, incluindo questões como quem cuidará do jovem se isso acontecer e como ficará a situação econômica da família.
É crucial que esses sentimentos e preocupações possam ser expressos abertamente. Nesse contexto, é importante avaliar quem são os melhores interlocutores para essas conversas – seja um dos pais, outros familiares, ou profissionais de saúde treinados que, em geral, sabem facilitar esse diálogo.
Para os pais, compartilhar o diagnóstico com filhos, enquanto gerenciam suas próprias reações emocionais é uma tarefa complexa e delicada. É necessário lidar com os próprios medos (“Conseguirei responder às perguntas corretamente?”, “Será que meu filho manterá o diagnóstico em sigilo?”) e com a culpa por não estarem conseguindo proteger plenamente os filhos da dor.
Muitas vezes, há o receio de causar ainda mais sofrimento, como pode ter ocorrido no caso de Alexandre. Contudo, os filhos inevitavelmente fazem parte desse processo e tudo tende a ser mais tranquilo se uma comunicação transparente for estabelecida desde o início.
Além das sugestões acima, Fernanda Rizzo di Lione, psicóloga com 26 anos de experiência na área de psico-oncologia, indica que existem muitos livros destinados a serem lidos diretamente para as crianças que podem auxiliar as famílias nessa tarefa – embora a maioria ainda esteja disponível apenas em inglês.
* Ilana Pinsky é psicóloga clínica, doutora pela Unifesp. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), foi consultora da OMS e da OPAS e professora da Universidade Columbia
Veja