Tecnologia

De energia de ondas a leite de laboratório, Israel aposta em startups contra a crise climática

Responsável por uma fatia de quase 20% do PIB (Produto Interno Bruto) e mais de 50% das exportações de Israel, o setor de tecnologia do país tem se voltado cada vez mais para a inovação direcionada à sustentabilidade e ao combate das mudanças climáticas.

Os investimentos nesse segmento chegaram a US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 12,2 bilhões) em 2022, quando 1 em cada 6 novas startups criadas pelos israelenses era uma climatech, como são chamadas as empresas emergentes que se dedicam às tecnologias, serviços e produtos direcionados a soluções climáticas e ambientais.

Com boa parte do território do país com clima desértico e escassez de água, as empresas voltadas à alimentação, agricultura e recursos hídricos naturalmente estão entre os destaques.

Embora a maioria ainda esteja em estados iniciais de desenvolvimento, já há várias companhias com produtos viáveis no mercado. É o caso da Remilk, que usa um processo especial —e patenteado— de fermentação em laboratório para produzir leite sem recorrer às vacas ou a qualquer outro animal.

O projeto nasceu da ideia de entregar um produto para os amantes do sabor dos laticínios, mas com menor impacto ambiental. Além da questão do bem-estar animal, a pecuária utiliza grande quantidade de água e é uma das principais fontes de emissões de metano, um potente gás de efeito estufa.

“Colocando de forma simplificada: nós copiamos o gene responsável pela produção da proteína do leite nas vacas e o inserimos em leveduras, da mesma família das leveduras de cerveja e panificação que conhecemos tão bem”, explica a empresa. “O gene age como um manual, dando instruções à levedura sobre como produzir nossa proteína de uma forma altamente eficiente.”

Essas leveduras são colocadas em fermentadoras, onde se multiplicam, produzindo então proteínas que, segundo a Remilk, são idênticas às produzidas pelas vacas. Esse material é então misturado a outros “ingredientes”, como vitaminas, minerais e gorduras, tudo de origem vegetal.

Em fevereiro, a empresa recebeu autorização para utilização de seus produtos pelo regulador sanitário no Canadá. Em 2023, ela já tinha garantido o aval de reguladores em Israel, Singapura e Estados Unidos.

Além da alimentação, as energias renováveis também vêm se destacando entre as empresas de tecnologia. É o caso da empresa Eco Wave, que gera energia elétrica a partir da força das ondas.

A energia marinha é uma velha conhecida dos especialistas, mas vários dos projetos para sua utilização foram abandonados pelo alto custo e pelas dificuldades de instalação e manutenção do maquinário em pleno mar.

Inna Braverman, CEO da Eco Wave, explica que o diferencial de sua companhia é essencialmente a localização dos equipamentos. Em vez de turbinas caras e custosas em mar aberto, a startup apostou em captar a força das águas bem próxima da costa.

“Eu vi que havia um enorme potencial não explorado na energia marinha, com muita gente com dinheiro disposta a investir. Fui estudar o mercado e ver onde as empresas que exploravam isso estavam falhando. Foi então que eu vi que todas elas tinham os mesmos problemas: todas foram para alto-mar, no meio do oceano. Era tudo muito caro, e os equipamentos quebravam rapidamente”, explica.

Além de estar na costa, o que barateia a operação e manutenção, o sistema de captação da Eco Wave também conta com sensores que retraem os flutuadores em caso de ondas acima dos limites de segurança para a operação, o que minimiza o risco de danos aos equipamentos.

A empresa já está produzindo energia com equipamentos instalados no entorno do porto de Jaffa, em Tel Aviv, em uma iniciativa que já foi integrada à rede nacional. As quantidades produzidas, por enquanto, ainda são pequenas, embora sirvam como prova de conceito para o projeto.

A Eco Wave está construindo uma instalação com maior capacidade, aí sim com previsão comercial, no litoral de Portugal.

Antes, a empresa operou um projeto-piloto em Gibraltar. As instalações no território britânico, inicialmente previstas para durarem apenas dois anos, foram descontinuadas em 2022 após quase 6 anos em funcionamento. Como estratégia de crescimento da companhia no mercado internacional, essas operações foram direcionadas para os Estados Unidos, onde a empresa recebeu o aval para operar no porto de Los Angeles.

O peso das climatechs em Israel levou à criação de uma conferência especial, a PlaneTech, que reúne empresas, investidos, pesquisadores e outros interessados no setor.

A jurista Lihi Segal, uma das palestrantes no evento, destacou que as questões regulatórias costumam ter um peso ainda maior para as empresas nesse segmento.

“A regulamentação é um gargalo que é mais dominante em climatechs do que em outros setores. Eu acredito que uma das razões para isso é o fato de que muitas indústrias nesse setor, como energia ou água, por exemplo, são fortemente regulamentadas, porque estão relacionadas a infraestruturas nacionais. Portanto, uma startup precisa, desde o seu estágio inicial, estar ciente e em conformidade com regulamentações bastante complexas.”

A segunda edição da conferência, inicialmente marcada para 2023, acabou acontecendo apenas no último mês de junho por conta dos ataques de terroristas do Hamas em 7 de outubro.

Startups e os principais representantes do setor em Israel, que tem mais de 11% dos trabalhadores empregados na área de tecnologia, compareceram em peso à conferência. O público, no entanto, foi essencialmente doméstico. A maior parte dos investidores e participantes internacionais, inscritos inicialmente no encontro, acabaram não viajando a Tel Aviv.

Diretor da PlaneTech, Noam Sonennberg avalia que há diferentes fatores para a ausência dos estrangeiros, como preocupações com a segurança da viagem em meio à guerra, mas reconhece que também houve boicotes e preocupações com a economia do país.

“Em primeiro lugar, pelo que temos falado com eles [investidores], está a questão de se as empresas em que eles estão têm restrições de viagens [a Israel]. Então eles praticamente não podem comprar as passagens através dos sistemas corporativos. Além disso há, infelizmente, menos voos, e os seguros também estão bem mais caros”, afirma.

“Mas investidores estrangeiros ainda estão investindo em empresas israelenses”, destaca Sonennberg, que se diz confiante com a resiliência do ecossistema das climatechs no país.

A repórter viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores de Israel.

Folha de São Paulo

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