Defesas contestam provas e recorrem a comparações bíblicas contra denúncia por trama golpista

As defesas dos denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) no segundo núcleo da trama golpista recorreram a comparações bíblicas para argumentar que os acusados estão sofrendo injustiças no tribunal, com liberdades restritas e sem provas robustas de participação no plano ao final do governo Jair Bolsonaro (PL).
Aos ministros da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), o advogado e ex-desembargador Sebastião Coelho comparou seu cliente, Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, ao apóstolo Paulo e a Jesus Cristo.
“Filipe Martins aguarda que esse tribunal, hoje, dê ouvidos à sua defesa, e aquele processo de crucificação que Jesus sofreu e Filipe Martins está sofrendo desde 8 de fevereiro de 2024 tem que acabar hoje. Vossas Excelências têm o poder para acabar com isso”, disse.
A declaração foi dada durante a sustentação oral do advogado no julgamento que recebeu a denúncia contra Filipe Martins e outros cinco acusados de participação na tentativa de golpe de Estado no fim de 2022.
“Não há justa causa para receber a denúncia contra Filipe Martins. Ele é um garoto brilhante que, aos 31 anos de idade, exerceu o cargo de assessor internacional do presidente da República, mesmo cargo que hoje é exercido pelo ministro Celso Amorim, de 82 anos”, disse.
O ex-assessor de Bolsonaro já foi condenado por fazer um gesto supremacista branco em audiência no Senado.
A mesma tática de defesa no caso da trama golpista foi usada pelo advogado Marcus Vinicius Figueiredo, defensor do general da reserva Mario Fernandes. Ele citou a história bíblica de Jonas, chamado por Deus para informar o castigo divino à cidade de Nínive, capital do Império Assírio.
“Ele tenta se esquivar, mas acaba tendo de cumprir aquela missão de Deus. E cumpre tão bem que seus moradores e o rei se redimem em jejum, e ele cai em desgraça porque não poderia aceitar que contra os seus inimigos Deus conferisse misericórdia. E nasce o adágio: toda a misericórdia aos meus, mas todo o rigor de juízo aos inimigos”, disse Marcus.
O advogado ainda pediu aos ministros do Supremo que não tirassem conclusões sobre a denúncia da trama golpista neste momento e que fosse garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório.
As menções bíblicas a histórias de misericórdia e graça divina no tribunal foram elogiadas pelo ministro Flávio Dino, católico. Ele citou a história de Gênesis sobre a separação da terra e da água para defender a atuação do Ministério Público Federal.
Depois da sequência, Alexandre de Moraes disse a Dino, rindo: “Vossa excelência é candidato a papa”.
O papa Francisco morreu na última segunda (21), e o Vaticano deve abrir um conclave em breve para escolher o sucessor de Jorge Mario Bergoglio no papado.
No julgamento do segundo núcleo da denúncia da PGR sobre a trama golpista, a Primeira Turma do STF decidiu tornar réus Martins, Fernandes, Fernando de Souza Oliveira, ex-integrante do Ministério da Justiça, Marcelo Costa Câmara, ex-assessor da Presidência, Marília Ferreira, ex-integrantes do Ministério da Justiça, e Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal.
Eles são acusados de cinco crimes: tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.
A primeira parte do julgamento foi destinada às sustentações orais das partes. O primeiro a falar foi o procurador-geral, Paulo Gonet, que falou por cerca de dez minutos —ele tinha direito a meia hora.
Depois, foi a vez dos advogados dos réus. Além de recorrer às citações bíblicas, eles argumentaram que as provas apresentadas pela PGR eram fracas.
Sebastião Coelho, que, no julgamento da primeira parte da denúncia da PGR foi detido em flagrante pela Polícia Judicial do STF sob acusação de desacato e ofensas ao tribunal, defendeu nesta terça que as citações feitas a Filipe Martins nos depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid e do ex-comandante do Exército general Freire Gomes eram vagas e imprecisas.
Ele afirmou que o general, a quem apelidou de “herói da vez”, disse que o assessor “possivelmente” estava na reunião golpista.
“Não existe nesses autos uma única mensagem de Filipe Martins para qualquer pessoa”, disse Sebastião. “A PGR pode argumentar que a Polícia Federal não foi capaz de quebrar o sigilo de Filipe Martins. Mas o Cid entregou seus celulares e não tem uma única mensagem de Cid para Filipe Martins, não tem absolutamente nada.”
Ministro da Justiça de Dilma Rousseff (PT) antes do impeachment, Eugênio Aragão defendeu Marília Alencar, acusada de pedir a elaboração de um relatório de inteligência para detalhar os locais em que Lula havia obtido mais votos.
“Confesso que não é sem desconforto que estou aqui na tribuna neste feito. Mas o faço com a consciência tranquila porque conheço Marília há quase 30 anos. Ter preferência política não é crime. O que é crime é o que se faz com a sua preferência política”, disse.
Ele argumenta que a denúncia não especifica qual seria a conduta criminosa dela. Apenas diz, segundo ele, que ela teria elaborado um boletim de informação que teria sido usado por Silvinei nas barreiras montadas pela PRF. “O boletim não visava impedir voto, mas identificar áreas de possível confronto entre partidários de Bolsonaro e de Lula, que era a função dela. Inteligência é isso “, afirmou.
O advogado do general Mario Fernandes, acusado de planejar a morte de Lula (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e de Moraes, disse que o plano Punhal Verde e Amarelo não foi apresentado a ninguém. Segundo ele, a ação clandestina de militares contra o ministro Alexandre de Moraes não foi a execução dos planos do general.
“Eu quero dizer a Vossa Excelência que é fato incontroverso que a minuta não foi apresentada a quem quer que seja. A repercussão material jurídica e penal será analisada no decorrer do processo”, disse Marcus Vinicius.
O advogado Danilo David Ribeiro, defensor do delegado da PF e ex-integrante do Ministério da Justiça Fernando Oliveira, disse que ficou surpreso com a denúncia por fatos relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro.
Fernando era investigado pela Polícia Federal pelo uso da PRF (Polícia Rodoviária Federal) para dificultar a ida de eleitores de Lula aos locais de votação no segundo turno das eleições de 2022.
Argumentação similar foi feita pela defesa do ex-diretor da PRF Silvinei Vasques. Ela destacou que a taxa de abstenção no segundo turno da eleição presidencial foi a mais baixa desde 2006 —o que, para a defesa, seria suficiente para mostrar que não houve ação da Polícia Rodoviária Federal para atrapalhar o pleito.
A Primeira Turma do STF analisou, nessa fase do processo, se a denúncia oferecida pela PGR apresenta indícios de autoria e materialidade dos acusados.
A fase seguinte será a abertura de uma ação penal contra os acusados. No decorrer do processo, as defesas podem indicar testemunhas e apresentar provas da inocência dos réus. Não há prazo para o fim do processo, e o julgamento final pode ocorrer ainda este ano.
Folha de São Paulo