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Direita vence em Portugal com racismo e xenofobia que a esquerda não rompeu

A pesquisadora, que nasceu em Portugal, filha de uma mãe cabo-verdiana e um pai português, cresceu em um bairro negro de Lisboa, formado por famílias africanas. Ela escreve, desde 2019, no jornal Público, um dos mais relevantes da imprensa portuguesa, sobre os temas dos direitos humanos, combate ao racismo e a situação dos imigrantes.

Roldão também explica que a situação da xenofobia se sustenta na ideia do fim da população branca na Europa. “É uma teoria de que a crescente imigração vai, no sentido biológico e cultural, acabar com a população branca. É um discurso que a extrema-direita tem usado muito”, aponta.

Xenofobia contra imigrantes brasileiros cresceu mais de 500%

O tema é muito caro para a comunidade brasileira que reside oficialmente em Portugal – em 2023, ela chegou a quase 400 mil pessoas, de acordo com o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), sendo o maior contingente entre os imigrantes de lá.

Eles, que foram em busca de qualidade de vida, trabalho e segurança, encontram também nas terras lusitanas um forte discurso anti-imigração, falas xenofóbicas e atitudes racistas. No ano passado, segundo dados da Comissão para Igualdade e Contra a Discriminação Racial do Governo de Portugal, as denúncias de xenofobia contra imigrantes brasileiros cresceram mais de 500% em relação a 2022.

Diante disso, são cada vez mais comuns as notícias de brasileiros sendo humilhados no país europeu, em especial as mulheres, com flagrantes filmados e compartilhados nas redes sociais.

O mesmo acontece com os imigrantes de outras nacionalidades e também os ciganos portugueses. Soma-se aos casos de xenofobia, a violência policial no país, especialmente nas comunidades de maioria negra, como os bairros na periferia habitados por imigrantes de origem africana e seus descendentes nascidos em Portugal. Tal qual o Brasil, os jovens negros são os principais alvos da brutalidade policial por lá.

Confusão entre racismo e xenofobia para despolitizar o problema

Diferente do Brasil, que nos últimos anos e, especialmente no governo Bolsonaro, explicitou os discursos discriminatórios contra negros, indígenas e nordestinos de forma desvelada e agressiva, Cristina Roldão diz que, em Portugal, apesar do racismo e preconceito serem evidentes, ainda são mascarados.

“É uma narrativa que prega que não é contra toda a imigração, mas contra a imigração desregulada, ou seja, pessoas que vêm pra cá e não querem trabalhar”.

Ela também cita que os portugueses acreditam que o colonialismo português foi brando no Brasil e nas colônias africanas. Ou seja, uma colonização de mestiçagem, valendo-se da teoria do lusotropicalismo, que destaca a empatia, proximidade e até afeição que os colonizadores portugueses demonstravam perante os colonizados: o antiquado mito da democracia racial difundido no Brasil pelo autor Gilberto Freyre, da obra Casa Grande e Senzala (1933).

“É uma narrativa que apareceu no Brasil em volta dos anos 1940 e foi adotada pelos portugueses nos anos 1950. Começaram a apresentar Portugal como um país multiracial e pluricontinental e isso foi dando forma ao racismo à portuguesa”, explica Cristina Roldão.

Na opinião da pesquisadora, em Portugal também há uma certa confusão entre racismo e xenofobia, ou racismo e integração de imigrantes, que dilui a questão racial e passa a ser uma discussão sobre recém-chegados ou dos contrastes entre culturas. “Há uma despolitização muito grande do problema”, afirma.

Para Roldão, o Partido Socialista poderia ter avançado mais e não o fez, a partir do Plano Nacional de Combate ao Racismo, implantado com muita pressão dos movimentos sociais e um contexto internacional favorável pela campanha Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), além de mobilizações na sociedade portuguesa, do movimento antirracista negro e cigano.

“O PS não rompeu com programas segregacionistas há muito criticados, como as políticas de habitação e de segurança pública”, elenca.

Ela lembra que políticos do PS condenavam em seus discursos a ideia de culpabilização. “Esta é uma narrativa lusotropicalista, que não quer reconhecer a responsabilidade histórica de ter que reparar, muitas vezes entendendo o combate ao racismo como algo para ajudar as minorias, e não como um plano para reparar uma sociedade que tem desigualdades. Isto não se trata de assistencialismo”, defende.

Revolução democrática completa 50 anos

Em 25 de abril deste ano, Portugal celebrará os 50 anos da Revolução dos Cravos, um marco para a democracia do país. Em 1974, os movimentos sociais e populares e forças democráticas impuseram o fim do regime ditatorial do Estado Novo, implantado desde 1933, com muitas restrições à liberdade e à cidadania.

“Que os múltiplos eventos e atividades previstas para essa comemoração possam ser menos sobre o que foi feito e mais sobre o que há a fazer para concretizar o 25 de abril. Que possamos contribuir para o reacender do compromisso de luta contra as forças regressivas deste país e não arredar o pé de o continuar a democratizar, descolonizar e desenvolver”, espera Cristina Roldão.

Matéria: UOL Notícias

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