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Entidades querem suspender norma restritiva a aborto legal – 05/04/2024 – Equilíbrio e Saúde

Entidades de saúde protocolaram nesta sexta (5) pedido de liminar no STF (Supremo Tribunal Federal) solicitando a suspensão da resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que proíbe médicos de realizar um procedimento necessário para a interrupção de gravidezes acima de 22 semanas resultantes de estupro.

O pedido de liminar foi incluído em uma ação já em andamento, a ADPF 989 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), ingressada pelo Centro de Estudos em Saúde (Cebes), a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a RedeUnida e o Partido Socialismo e Liberdade (Psol).

Segundo o documento, a resolução do CFM estipulou grave restrição à realização do aborto legal para vítimas de estupro ao vetar a realização da assistolia fetal, procedimento recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) que consiste em uma injeção de produtos químicos que interrompem os batimentos cardíacos e é realizado antes da retirada do feto do útero.

Nas primeiras 48 horas após a publicação da norma do CFM ao menos quatro meninas vítimas de estupro com gestações acima de 22 semanas não conseguiram fazer o aborto legal porque os médicos temem represálias do conselho, conforme revelou a Folha.

Um desses casos é de uma menina de 12 anos que está grávida de 27 semanas. Há autorização judicial para o aborto mas, mesmo assim, a equipe médica teme sofrer represálias do CFM.

“Estamos recebendo várias queixas de médicos, do Amazonas ao Nordeste, de meninas que estão chegando com gestações mais avançadas para interrupção da gravidez e os médicos não estão sabendo o que fazer porque se sentem proibidos pelo CFM”, afirmou Rosires Pereira, presidente da comissão de violência sexual e interrupção da gestação prevista em lei da Febrasgo, federação que reúne ginecologistas e obstetras brasileiros.

De acordo com as ação, a decisão do CFM contraria a orientação da OMS e representa uma “clara afronta tanto a um consenso sanitário internacional quanto restrição expressa de direitos estabelecidos em lei”.

“A OMS expressamente estabeleceu o procedimento (assistolia fetal) como sendo o melhor padrão em termos de medicina baseada em evidências e como parâmetro civilizatório científico para os seus Estados membros”, diz um trecho.

Para as entidades de saúde, a tentativa de proibir o procedimento de assistolia fetal após 22 semanas é uma violência adicional contra crianças e mulheres estupradas, uma vez que o acesso tardio ao aborto legal reflete a iniquidade na assistência, atingindo de forma desproporcional crianças, mulheres pobres, pretas e moradoras da zona rural.

“Os serviços de saúde deveriam assegurar o atendimento imediato, seguro e humanizado, inclusive com oferta de contracepção emergencial, quando aplicável. A falha nesta assistência, a detecção tardia de estupro de vulnerável ou de condição incompatível com a vida extrauterina não podem justificar a negativa de um direito”, dizem.

Outro argumento é que o Código Penal brasileiro não impõe limite de tempo ao aborto legal. “É abusiva a tentativa do CFM de distorcer tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, e estabelecer norma que contraria legislação vigente e a política de assistência à Saúde. Sem base legal, a resolução gera insegurança na prática profissional e coloca em risco a assistência a populações vulnerabilizadas”.

O entendimento é que resolução do CFM é um ato administrativo, decorrente da atividade de uma autarquia federal, e que restringe um direito estabelecido em lei desde 1940, “o que afronta o direito fundamental da legalidade estrita prevista na Constituição Federal, que prevê que apenas outra lei pode proibir alguém de fazer algo ou de exercer o seu direito”.

Para o advogado Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e um dos autores das ações, é preciso lembrar que o Brasil é uma das regiões mais violentas contra meninas e mulheres no mundo.

“Quando a mais grave das violências acontece contra elas, e precisam de direitos e acolhimento, se deparam com barreiras. A resolução é uma das mais graves barreiras já postas a quem deveria acolher.”

Na prática, segundo ele, os médicos estão indo contra consensos científicos internacionais. “E, enquanto ficam de mãos atadas, a gestação de meninas vítimas de estupro coloca a vida delas em risco, e eles nada podem fazer sem que arrisquem sofrerem punições, incluindo não poderem mais ser médicos.”

Em entrevista a jornalistas concedida pelo CFM nesta quinta (4), o ginecologista e obstetra Raphael Câmara Parente, relator da resolução, negou que a norma seja inconstitucional ou que vá prejudicar meninas e mulheres mais vulneráveis que não têm acesso ao aborto legal antes das 22 semanas. “Qualquer maternidade do Brasil pode fazer aborto de primeiro trimestre”, disse.

Questionado pela Folha sobre a razão de o CFM proibir um procedimento recomendado pela OMS, Parente respondeu que tanto a organização quanto a Folha têm conflitos de interesse em relação ao aborto.

“A OMS é assumidamente, assim como a Folha é, a favor da descriminalização do aborto em qualquer circunstância e em qualquer idade gestacional. A OMS tem lado nessa história, é a favor da liberação do aborto, de matar bebê em qualquer idade gestacional.”

Não é verdade que a Folha defenda o direito ao aborto em qualquer idade gestacional.

No editorial Legalizar drogas leves, aborto e eutanásia, publicado em 23 de março, a Folha afirma: “Seguir o que democracias avançadas preconizam seria proveitoso para o Brasil também no caso do aborto por opção. Fixar um período máximo, nas semanas iniciais da gravidez, em que o procedimento é permitido e pode ser realizado no sistema público de saúde equilibra o direito da mulher sobre o seu corpo com o do nascituro”.

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Matéria: UOL Notícias

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