Eu não sei dizer se você é alcoólatra
Eu não sei dizer se você é alcoólatra.
Esta é a frase que mais escrevo nas respostas aos emails que recebo. O que posso dizer que talvez ajude você, leitor, é que eu não achava que minha vida seria muito melhor sem o álcool. Duvidei dos que me diziam isso, mas tenho de dar o braço a torcer: ela ficou infinitamente melhor.
Comecei a beber cedo (isso é um indício do meu alcoolismo), na tentativa de me libertar de uma timidez que certamente poderia ter sido tratada de outra forma. O meu primeiro contato de forma efetiva com o álcool foi aos 13 anos, mas isso não significa que a partir daí eu comecei a beber loucamente. Aos 13 foi a primeira vez que bebi mais de uma garrafa de cerveja. Foi quando virei um copo de pinga. E hoje, já na casa dos 40, percebo o quão cedo e inapropriado foi aquela estreia. Principalmente quando olho para meus sobrinhos.
Aprendo todos os dias nas salas de Alcoólicos Anônimos que sempre fui uma alcoólatra, mesmo antes do primeiro gole. Mesmo antes daquela noite, aos 13, em meados da década de 1990, num gesto aparentemente inocente, querendo me mostrar para o rapaz mais velho que tinha me oferecido a bebida…
Ao falar do meu alcoolismo, posso no máximo fazer o leitor repensar o consumo de álcool dele. Os amigos também vivem me perguntando: Alice, se bebo todo dia, sou alcoólatra? Se devo trabalhar à tarde, posso beber na hora do almoço? Se só exagero no final de semana, a coisa tá ok? Não sei responder nada. O que sei é que vale uma autoanálise. E posso apenas ajudar a elucidar algumas partes obscuras da vida em relação a isso.
Nem sempre eu bebi todos os dias, nem sempre tive que enganar as pessoas para beber. Eu comecei a sentir vergonha que soubessem quantas garrafas ou copos eu já tinha tomado em uma festa ou evento. Isso acontece com você? Vale pensar.
Eu passei a mentir a respeito de quanto tinha bebido não só nas festas mas também no cotidiano. Aí o jogo começou a virar. Isso acontece com você? Quando você acorda no dia seguinte, percebe que não só bebeu mais do que uma garrafa de destilado, como também quebrou o copo e deixou ali os cacos sem recolher? Acontecia comigo.
O alcoolismo não tem medida, não tem régua certa. Ele mata pelas beiradas mesmo. Certo dia eu perdi meu cachorro porque bebi tanto que deixei a porta de casa aberta e ele saiu. Isso já ocorreu com você? Ou algo parecido?
Se a água começou a chegar no pescoço, ainda é tempo de virar. Se você não for um alcoólatra, vai ser mais fácil reduzir seu consumo, mudar seus hábitos. Não vai exagerar mais nem ficar sem graça depois. Eu pelo menos acho bêbado uma chatice porque me vejo lá. Eu fui das piores.
Ainda não consigo fazer muita coisa para melhorar meu bem-estar (não que antes conseguisse, pelo contrário). A vida é complicaaaaaada. Daí eu me atiro num pote de sorvete e tudo bem. Vou voltar a esse ponto em outro momento. (Eu ficava me impondo mil restrições alimentares para entrar nas roupas, mas não largava o álcool, que é o que mais engorda, ou incha.)
Eu acredito na ciência, acredito no doutor Drauzio Varella, que tem um site valiosíssimo sobre toda e qualquer doença. Hipocondríaca que sou, recorro ao site para conferir algumas dores. E sempre releio o que ele diz sobre o álcool: não há limite seguro para ele no organismo do ser humano.
Com isso, não estou pregando a abstinência, mas sugerindo que você preste atenção a seus hábitos. Eu adoro todo tipo de comida, principalmente feijoada, mas me policio porque sei que torresmo faz mal ao meu colesterol. Então quarta e sábado, se tem no quilo, mando ver um pedacinho. Mas não compro um pacote para ter em casa. Jamais.
Então, não sei. Eu sou alcoólatra, eu vivo melhor sem uma gota de álcool. Você pode se observar e pensar, será que me pareço com a Alice? O meu maior presente nesse aniversário de um ano de coluna é se levei alguém a refletir sobre o consumo do álcool.
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Informação
Folha de São Paulo