Economia

Falta de educação e coleta seletiva dificultam reaproveitamento de materiais após o consumo

Embora tenha instituído a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) há mais de uma década, com diretrizes sobre a forma como a sociedade deve tratar seu lixo, o Brasil ainda está longe de um resultado satisfatório e segue com indicadores de reciclagem pífios.

Um sistema de logística reversa eficiente precisa reunir uma sequência de esforços para conseguir que o resíduo descartado após o consumo de diversos produtos volte ao setor industrial e seja reaproveitado no mesmo ciclo produtivo ou tenha outra destinação final ambientalmente adequada.

No Brasil, apenas 4% dos resíduos coletados são reciclados, segundo dados oficiais.

A precariedade da coleta de lixo, a baixa educação da população sobre separação de resíduos e a falta de mecanismos de incentivo, de fiscalização e de punição dos responsáveis são os principais gargalos que prejudicam a logística reversa no Brasil, segundo especialistas.

Na opinião de Alexandre Braz, presidente da Abelore, associação de empresas especializadas em logística reversa, ainda falta o básico, que é a estruturação da coleta seletiva.

“A maioria das pessoas já conhece o impacto ambiental do lixo. Elas já entendem o lixo como um problema no mundo. Só que tem que dar estrutura de coleta para elas”, afirma Braz.

Menos de 15% da população urbana tem oferta de coleta seletiva porta a porta no país, segundo a Abrema, associação que reúne empresas de gestão de resíduos. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apenas 1 a cada 3 municípios brasileiros têm algum tipo de coleta seletiva.

Para Milton Pilão, CEO da empresa de tratamento de resíduos Orizon, nem sequer a questão educacional foi totalmente superada, e o país ainda precisa acabar com os lixões.

“Mesmo que a população tivesse essa cultura de separação do resíduo na fonte, a coleta seletiva custa pelo menos cinco vezes mais do que a tradicional. E o Brasil não tem recursos nem para fechar os lixões”, avalia.

Segundo o empresário, o sistema pode ser impulsionado com incentivo econômico oferecido antes da entrada do aterro para que o material reciclável seja desviado e, em vez de aterrado, volte à cadeia produtiva como matéria-prima de um novo produto.

“O caminho da regulação também é bom. Nele, os donos das marcas dos produtos precisam cuidar para que a embalagem que eles colocaram no mercado retorne para a cadeia produtiva, ou então precisam ter um percentual mínimo de conteúdo reciclável nas suas embalagem. O problema é que, no Brasil, hoje, isso é voluntário”, diz Pilão.

O sistema brasileiro se baseia na responsabilidade compartilhada, que abrange desde o consumidor, cuja função é fazer o descarte correto em locais determinados, passando pelo setor privado, responsável pelo gerenciamento ambiental adequado dos resíduos e sua reincorporação na cadeia produtiva, até o poder público, a quem cabe regular, criar metas e fiscalizar sua execução.

Atualmente, o país tem sistemas de logística reversa já implementados para produtos eletroeletrônicos, embalagens de aço e óleos lubrificantes, entre outros. Alguns processos, como resíduos de agrotóxicos, pneus, pilhas e baterias, já haviam sido regulados por leis e resoluções do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), antes da PNRS de 2010.

Especialistas apontam dificuldade de equilibrar os custos envolvidos na instalação de pontos de coleta e no transporte dos resíduos. No exemplo dos medicamentos, os comerciantes devem definir os locais de descarte para o consumidor e fazer o primeiro armazenamento dos remédios e embalagens descartados.

Já os distribuidores devem custear a coleta em tais pontos e levar o material até um armazenamento secundário, onde os fabricantes e importadores assumem o custo do transporte até o local da destinação final adequada.

Carlos Rossin, da Abrema, afirma que certos segmentos conseguiram avançar mais do que outros, mas por fatores específicos de seus negócios.

É o caso da latinha de alumínio. Entidades representantes dessa indústria chegam a afirmar que o país já atingiu 100% de reciclagem das latas de bebidas —número que é considerado exagerado por especialistas em logística reversa.

Embora seja inferior ao percentual divulgado oficialmente pelo setor, a reciclagem da latinha pode ser considerada bem-sucedida. O processo funciona porque gera maior rentabilidade ao catador do que outros materiais, como vidro ou plástico. Além de ser mais leve para carregar, o ciclo de vida do produto é curto, elevando a viabilidade econômica do reaproveitamento e da reciclagem. Do lado da indústria, a reciclagem fica mais interessante do que o custo da matéria-prima virgem.

Janaina Donas, presidente da Abal (Associação Brasileira do Alumínio), atribui o alto índice de reciclagem do produto aos investimentos feitos pela indústria do alumínio em capacidade de reciclagem desde os anos 1990.

Segundo ela, os dados da reciclagem registrados em 2023 ainda não foram publicados pelo setor porque o Ministério do Meio Ambiente está fazendo revisão da norma. A mudança busca dar maior transparência nos números.

“Nosso entendimento é que o ministério está querendo essa rastreabilidade, esse lastro. Ele quer que esse volume do que é colocado no mercado de produto final seja lastreado em notas fiscais. E também vai querer o lastro do volume que foi coletado após consumo”, afirma Donas.

Dados setoriais também apontam altos índices de reciclagem para outros produtos como óleos lubrificantes, que partem dos postos de abastecimento, facilitando a concentração do material. Papel e papelão e embalagens de agrotóxicos são também citados entre os índices mais elevados.

O grupo das embalagens em geral, como os pacotes de alimentos e cosméticos, e os que exigem participação ativa do consumidor na devolução, como medicamentos e pilhas, são considerados mais complexos.

“O desafio é quando olhamos para as embalagens em geral, do que se consome em supermercado. Aí tem mais problema porque envolve a coleta do dia a dia nas casas e entra a conversa da responsabilidade compartilhada. Dilui a responsabilidade e cria áreas cinzentas”, diz Rossin.

Algumas soluções poderiam partir da própria estratégia das embalagens. O diretor da Abrema cita o caso das garrafas de refrigerante de vidro retornável usadas no passado, que foram substituídas por garrafas de plástico do tipo PET.

Enquanto a garrafa de vidro, por ter um custo para o consumidor, completava o ciclo e retornava à indústria facilmente pelas mãos do próprio cliente, o PET descartável entra na cadeia de reciclagem com valor de revenda mais baixo para o catador.

“A garrafa de vidro era economia circular na veia. Quando eu era criança, a embalagem valia muito e ficava mais cara do que o produto. É importante o usuário ser cogestor do sistema. A questão econômica gera mudança comportamental rápida e fácil”, diz Rossin.

Hoje, sem o sistema retornável, o vidro tem baixa atratividade para a coleta via catador, porque é pesado, cortante e tem preço de revenda baixo, enquanto a indústria consegue fabricá-lo do zero a um custo baixo com matéria-prima virgem.

A falta de base sólida para mensurar a realidade em números é um outro problema apontado por Marcos Iorio, da Circoolar Consultoria, especialista no tema. Segundo ele, as indústrias que reciclam não compram diretamente do catador, que não tem escala, trabalha como autônomo, com tração humana em condições precárias. Esse trabalhador vende para intermediários, que são conhecidos como aparistas, sucateiros, atravessadores ou operadores privados.

“Quando chega na indústria, passou pelas mãos de muita gente e você não sabe de onde veio. Isso dificulta o planejamento de políticas públicas. Falta essa rastreabilidade do material e dos dados divulgados pelas associações representantes das empresas”, diz Iorio. O governo federal planeja incluir empresas certificadoras terceirizadas para dar transparência aos dados.

Rodrigo Oliveira, CEO da startup Green Mining, afirma que a logística reversa no Brasil tem participação fundamental dos catadores nas ruas, mas muitos materiais são inviáveis economicamente para eles.

A alternativa, segundo o empresário, é contratar equipes de catadores com carteira assinada ou pagar a eles o valor do produto pago diretamente pela indústria recicladora da embalagem, retirando os intermediários que atuam com mais poder de barganha.

Para equilibrar esse processo, diz, quem deve custear a operação são as próprias empresas definidas na PNRS como responsáveis por implementar a logística reversa de seus produtos.

“Esse modelo dá ao catador o acesso à maior precificação praticada pelo mercado e eleva a transparência, porque eu emito a nota fiscal e deposito o rendimento do trabalho na conta dele toda semana. Na outra ponta, faço esse informe do rendimento ao governo”, diz.

Folha de São Paulo

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