Febre oropouche: veja em 5 pontos o que os cientistas ainda estão tentando entender sobre o vírus
A febre oropouche está avançando no país e levantando preocupação, com a divulgação, no último sábado (3), da primeira morte fetal confirmada pelo Ministério da Saúde.
O caso aconteceu em Pernambuco e foi confirmado a partir de exames em uma gestante de 30 semanas que descartaram outras hipóteses, informou a pasta.
De acordo com dados do governo, até o dia 28 de julho o país registrou 7.286 casos de febre oropouche, com dois óbitos confirmados, na semana passada, de mulheres do interior da Bahia.
O Ministério da Saúde afirmou que elas tinham menos de 30 anos, não possuíam comorbidades e tiveram sinais e sintomas semelhantes a um quadro de dengue grave.
Ainda, na noite de sexta-feira (2), a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo confirmou o terceiro caso da infecção no estado, em Pariquera-Açu; dois casos haviam sido informados na quinta-feira (1º), em Cajati. Os três pacientes estão curados.
E, em todo o território das Américas, a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde, ligada à OMS), emitiu um alerta no último sábado (3) mencionando um elevado risco à saúde pública do vírus.
A febre oropouche é uma doença viral transmitida principalmente por mosquitos do gênero Culicoides paraensis (diferente do Aedes, transmissor da dengue e chikungunya). O primeiro caso de vírus oropouche em humanos foi detectado em 1955 em Trinidad e Tobago. Cinco anos depois, em 1960, o vírus foi isolado pela primeira vez no Brasil de um bicho-preguiça (Bradypus tridactylus) na região Norte.
Embora os sintomas sejam parecidos com a dengue —dores no corpo, dores nas articulações, febre repentina, sintomas gastrointestinais como diarreia e vômito—, cerca de um sexto (15,5%) dos pacientes reportam sinais hemorrágicos, e 6 em cada 10 podem ter a recorrência dos sintomas até quatro semanas após a infecção inicial.
A única forma de prevenção do oropouche é o uso de repelentes e proteção contra o vetor. Não há atualmente vacinas disponíveis e nem tratamento antiviral específico.
No último dia 1º, o pesquisador do departamento de microbiologia e imunologia da Escola de Medicina da Universidade de Texas (EUA), Eduardo Jurado-Cobena, publicou um artigo no periódico científico Zoonoses onde lista o que se sabe e o que ainda falta saber sobre o oropouche. Veja abaixo algumas das conclusões.
Quão graves são os sintomas de oropouche?
Segundo o Ministério da Saúde, a febre oropouche tem sintomas parecidos com dengue e chikungunya. O quadro clínico agudo pode evoluir para febre súbita, dor de cabeça, dor muscular e dores nas articulações, além de tontura, calafrios, fotofobia (aversão à luz), náuseas e vômitos.
Sintomas mais graves, como hemorragias, petéquias (manchas causadas por sangramentos sob a pele) e o sangramento gengival e uterino, foram registrados durante surtos no Peru e no Brasil, afirma o cientista no artigo. Há também evidências limitadas, segundo o autor, de hepatites virais ou inflamação de hepatócitos (células do fígado) provocadas pelo vírus, mas a patologia da condição ainda é desconhecida.
Como o vírus pode afetar mulheres grávidas e provocar lesões ao feto?
É provável que o efeito do oropouche em gestantes seja por meio da quebra da barreira placentária –da mesma maneira como o vírus zika. Além dos casos em investigação de óbitos fetais no Brasil, a pasta da Saúde emitiu um alerta, no dia último dia 18, para reforçar a necessidade de que todos os casos dessas malformações no país sejam notificados e investigados.
Além disso, cita o autor do estudo científico, um relatório inicial detectou abortos em 2 das 9 mulheres grávidas no segundo mês de gestação, o que pode indicar um possível mecanismo de infecção do vírus nas células placentárias.
Qual o efeito do vírus no tecido cerebral?
No estudo, Jurado-Cobena menciona casos de meningite ou meningoencefalite (inflamação do cérebro e dos tecidos próximos por uma infecção) reportados após uma infecção por Orov (nome científico do vírus oropouche). No entanto, a falta de informações não permite totalmente caracterizar a patogênese da infecção do Orov no cérebro humano.
Um estudo relatou que o Orov infecta microglias (células do tecido cerebral) e neurônios em amostras de cérebro humano em laboratório, enquanto os astrócitos permanecem inalterados. Além disso, analisando cérebros de biobancos de pacientes que sofreram infecção pelo oropouche, pesquisadores viram uma maior incidência de doenças neurodegenerativas naqueles infectados, sugerindo também um efeito no declínio cognitivo, com uma associação entre a encefalite (inflamação) viral e Alzheimer, diz Jurado-Cobena.
É possível adquirir imunidade contra o oropouche?
Justamente por desencadear reações pró-inflamatórias –da mesma maneira como o Sars-CoV-2, vírus da Covid–, ainda não está claro o mecanismo de resposta imunológica contra o Orov. O fato de uma alta taxa de pessoas infectadas apresentarem a recorrência de sintomas algumas semanas depois deixa lacunas para como seria a imunidade contra o vírus.
No entanto, um estudo muito pequeno avaliou que a resposta imunológica contra a dengue pode desencadear uma resposta imune também ao Orov, de forma similar ao que ocorre com o vírus da Covid e coronavírus de resfriado comum (chamada de reação imune cruzada), afirma o pesquisador.
Porém, como a dengue possui quatro sorotipos e os mecanismos pelos quais adquirimos imunidade a eles não são totalmente esclarecidos —uma vez com imunidade contra um tipo, ainda é possível se infectar pelos outros três—, essa pergunta também continua sem resposta quanto ao Orov.
Qual o risco de virar uma epidemia?
Até o momento, o vírus oropouche é considerado endêmico da América Latina, mais especificamente de regiões da Amazônia. Porém, novos vetores na natureza, incluindo outras espécies do mosquito Culicoides e também de Culex quinquefasciatus (mosquito comum), preocupam.
Segundo o autor, o aumento crescente de casos de oropouche e a expansão geográfica do vetor acendem um alerta para a ocorrência de uma provável disseminação do vírus até partes centrais dos Estados Unidos. Não há, até o momento, casos registrados acima de Cuba.
A Opas indica que foram registrados 8.078 casos em 2024 em toda a região, mas houve um aumento, no último trimestre, de casos em locais onde não eram antes identificados, mostrando um elevado risco à saúde pública do oropouche.
Informação
Folha de São Paulo