Indústria da Zona Franca pede ajuste na reforma tributária e cobra investimento na região
As indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus pedem mudanças no primeiro projeto de lei da reforma tributária, que será analisado no Senado a partir deste mês, sob a relatoria de Eduardo Braga (MDB-AM), parlamentar da região.
A avaliação é que pelo menos quatro grandes setores não foram totalmente atendidos pela proposta em relação a um dos subsídios dados às empresas locais: duas rodas, ar-condicionado, confecções e plástico.
Braga já sinalizou que fará ajustes no texto que saiu da Câmara. As alterações precisam também do aval de senadores de outros estados, sendo que o benefício ao Amazonas será mantido, enquanto os incentivos das demais regiões estão sendo extintos.
Em conversa com a Folha, Luiz Augusto Barreto Rocha, presidente do Conselho Superior do Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas), defende ajustes no projeto, mas afirma também que a região sofre com problemas que o benefício tributário não pode resolver.
Entre eles, a falta de investimento em infraestrutura e logística, o que encarece os produtos da região e impede a diversificação econômica, inclusive o desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo e à bioeconomia.
Rocha faz uma comparação entre Manaus e a região incentivada em Omã. No país do Oriente Médio, o estado oferece instalação, capacidade de investimento, mão de obra treinada, paga seis meses de salário para novas empresas e trabalha para que a produção atenda outros mercados.
“Lá eu vejo um Estado indutor do desenvolvimento econômico. Aqui, a gente tem que lutar para construir uma estrada. Não temos hidrovias na Amazônia. A diferença de um rio com hidrovias é que ela é balizada, tem que ser calada, você tem que ter guias”, diz Rocha.
A afirmação é uma referência ao fato de Manaus não ter ligação rodoviária com o restante do país e ter o transporte fluvial afetado por períodos de seca que encarecem o frete.
Uma tentativa para mudar o modelo de desenvolvimento da região é o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, previsto na reforma tributária. São recursos da União, geridos pelo governo federal, com participação do estado na definição dos projetos.
A reforma prevê que os benefícios fiscais do polo industrial poderão ser reduzidos, mediante acordo com o estado para aumentar os recursos desse fundo, cujos valores a serem aportados ainda não estão definidos.
O QUE DIZ O PROJETO APROVADO NA CÂMARA
Neste momento, a indústria local não vê possibilidade de esquecer os incentivos sem os quais a atividade econômica na região, onde é fabricada a maior parte dos produtos de informática, celulares e motos do país, ficaria inviabilizada.
“A nossa visão é que 80% do que era o objetivo para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus foi estabelecido na Câmara dos Deputados. Tem algumas sintonias finas para serem feitas [no Senado], alguns segmentos em que o crédito-estímulo, que baliza a competitividade, não foi observado na proposta aprovada”, afirma o presidente do Conselho Superior do Cieam.
A proposta original do projeto deixava que o Comitê Gestor formado por estados e municípios definisse posteriormente o tamanho desse crédito tributário. O texto final aprovado na Câmara já fixou alguns percentuais, que variam de 55% a 100% dos novos tributos, de acordo com o tipo de bem (para consumo final, de capital, intermediário ou de informática).
Pela regra, no momento da venda do produto para outra região do país, a operação será tributada com a alíquota normal, mas haverá um crédito, tanto da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) quanto do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), deduzido do valor a ser pago.
O Cieam argumenta que alguns setores têm um estímulo adicional que não foi contemplado no texto. “Não queremos nada além e nada aquém, apenas a manutenção do que já era a decisão do legislador constitucional”, diz o presidente do conselho da entidade.
FIM DOS BENEFÍCIOS REGIONAIS
A Zona Franca de Manaus e cerca de dez cidades da região Norte classificadas como áreas de livre comércio vão se tornar os únicos locais do país com incentivos regionais para os impostos alterados pela reforma tributária a partir de 2033, quando serão extintos os benefícios existentes hoje para os demais estados e municípios.
Atualmente, esses incentivos concorrem com o polo de Manaus. O fim deles favorece a região amazônica.
O conselheiro do Cieam e advogado tributarista J. Portela afirma que os benefícios fiscais dos demais estados já seriam extintos em 2032, mesmo sem a reforma, e que não se pode comparar um incentivo com suporte constitucional, como a Zona Franca de Manaus, com outros concedidos muitas vezes de forma ilegal e que foram posteriormente regularizados pelo Congresso, mas com esse prazo determinado.
A indústria local mantém outras demandas na reforma, como o aumento do prazo de utilização dos créditos tributários, que foram limitados a seis meses, e a retirada da vedação para compensação deles com outros tributos ou ressarcimento em dinheiro.
O setor também quer tirar do projeto a manutenção do benefício ligado ao IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) somente para produtos que já eram fabricados na região no final de 2023.
O IPI é cobrado dos produtos importados ou fabricados em outras regiões do país, mas não dos produtos feitos em Manaus.
Portela afirma que o benefício de IPI é importante por representar uma taxação adicional sobre produtos importados. Alguns setores, como o de bicicletas, argumentam que a manutenção desse imposto para garantir a competitividade da região também encarece os produtos feitos em outros locais do país.
O CUSTO DA ZFM
A Zona Franca de Manaus representa 6% do gasto tributário federal, de acordo com o dado da Receita Federal que lista os principais incentivos fiscais do país.
O Cieam afirma que a conta não faz sentido, pois não haveria arrecadação na região caso o benefício fosse encerrado. Nessa situação, segundo a entidade, a demanda por esses produtos seria coberta com importações e não com a produção em outros locais do país.
A indústria do Amazonas também afirma que não é possível substituir a renda e o emprego gerados pelo polo com atividades como turismo e bioeconomia, que sofrem com a falta de infraestrutura da região.
“Nós temos o desafio de desenvolver essas matrizes. O incentivo constitucional tem validade. Mas não podemos esquecer o que nos sustenta”, afirma o presidente do Conselho Superior do Cieam, destacando que é isso o que mantém a floresta em pé.
A Zona Franca de Manaus foi criada em 1967, e os benefícios fiscais da região foram prorrogados diversas vezes. Atualmente, estão previstos para acabar em 2073.
Folha de São Paulo