Política

Juiz do Paraná condenado por lesão corporal desafia corregedoria

O desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná Luís César de Paula Espíndola, condenado por crime de lesão corporal ao agredir a irmã, não compareceu à inspeção da Corregedoria Nacional de Justiça no seu gabinete, em março último.

Segundo o Relatório de Inspeção Ordinária ao TJ-PR, a visita foi previamente comunicada à presidência. O magistrado não justificou a ausência e não acompanhou a inspeção. A assessoria do gabinete informou à equipe de fiscalização que Espíndola estava em atividade naquele dia.

No período de referência da inspeção, Espíndola gozou 127 dias de férias; esteve afastado em licença saúde por 32 dias e em licença para tratar de interesses particulares por 14 dias.

No último dia 3, ao final de julgamento de recurso sobre assédio praticado por um professor contra uma aluna de 12 anos, Espíndola afirmou que “as mulheres estão loucas atrás dos homens“.

Espíndola disse ser um absurdo “estragar a vida desse professor”.

Em nota pública, a desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima, presidente da Comissão de Igualdade e Gênero do TJ-PR, protestou: “certamente em defesa do assediador, [ele] imputou às mulheres a prática generalizada do ‘assédio aos homens’”.

Houve “desprezo e desrespeito pelas colegas desembargadoras e servidoras”, disse.

Espíndola afirmou em nota que “nunca houve a intenção de menosprezar o comportamento feminino nas declarações proferidas por mim”.

“Sempre defendi a igualdade entre homens e mulheres, tanto em minha vida pessoal quanto em minhas decisões. Lamento profundamente o ocorrido e me solidarizo com todas e todos que se sentiram ofendidos”, escreveu.

O TJ-PR afirmou que “não endossa os comentários” de Espíndola. “O Tribunal reitera que não compartilha de qualquer opinião que possa ser discriminatória ou depreciativa.”

Antecedentes no CNJ

Ao abrir Reclamação Disciplinar para apurar a conduta de Espíndola, o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, listou seis investigações disciplinares arquivadas envolvendo o magistrado. Salomão diz que não pretende revolver os fundamentos que levaram ao arquivamento dos procedimentos.

“Especificamente em relação às condutas que envolvem possível violência de gênero, a presença de investigações anteriores na esfera disciplinar ratifica a necessidade de apuração escorreita por esta corregedoria” da conduta relacionada à sessão do último dia 3.

A tramitação da reclamação é sigilosa, mas Salomão tornou público o ato. As investigações sugerem que há anos Espíndola desafia o CNJ e o Superior Tribunal de Justiça.

Nos dois episódios mais graves, o ex-corregedor nacional João Otávio de Noronha tomou decisões que favoreceram o desembargador paranaense: a) arquivou pedido de providências ao CNJ em que Espíndola foi acusado de agredir uma vizinha; b) no julgamento da ação penal pela lesão causada pelo desembargador à irmã, Noronha liderou a divergência no STJ que impediu o afastamento do magistrado, medida proposta pelo então relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Noronha blindou juízes. Encerrou sua gestão como corregedor sem cumprir o regimento do CNJ que determina apresentar ao plenário, 15 dias depois de concluídas as inspeções, um relatório com as “providências adotadas sobre qualquer assunto”.

O estilo de Salomão é diferente. Em abril, a corregedoria fez correição extraordinária no gabinete da juíza federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF-1 (“Tia Carminha”). A inspeção foi realizada na tarde do mesmo dia em que o corregedor nacional determinou a fiscalização.

Abusos de autoridade

Em junho de 2016, a então corregedora nacional Nancy Andrighi instaurou pedido de providências a partir de notícias sobre envolvimento de Espíndola em episódio de agressão e abuso de autoridade.

Em incidente com moradores da vila Domitila, em Curitiba, ele teria agredido Ana Paula Bergmann e dado voz de prisão a um policial.

A presidência do TJ-PR informou a abertura de investigação, mas os trabalhos não foram concluídos. Andrighi determinou prorrogação pelo prazo de 40 dias.

Em abril de 2017, Noronha, seu sucessor na corregedoria, determinou o arquivamento do expediente. Ele acolheu informação do tribunal, que concluíra “pela ausência de prática de conduta irregular”.

“A questão foi adequadamente tratada, sendo satisfatórios os esclarecimentos prestados sobre a apuração dos fatos na origem”, decidiu Noronha.

A denúncia foi recebida por unanimidade no STJ em 29 de novembro de 2017, em sessão presidida pela ministra Laurita Vaz.

O relator [Napoleão Nunes Maia] entendeu que não havia explicação convincente para o laudo do exame de lesões corporais, realizado no mesmo dia dos fatos. A vítima, Ana Paula, apresentava equimoses na região malar direita e na mão esquerda.

Nenhuma das versões apresentadas pelo magistrado na fase anterior ao processo fornecia boa explicação para as lesões, disse o relator.

A subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo solicitou a absolvição do magistrado, porque a vítima e outras pessoas não foram depor.

Sem providências

A segunda investigação listada por Salomão é a reclamação disciplinar que trata dos fatos da ação penal que resultou na condenação por violência doméstica (agressão à irmã).

Essa reclamação foi instaurada de ofício por Salomão, após o julgamento pelo STJ em março de 2023. O corregedor pediu informações ao TJ-PR sobre as providências da apuração administrativa. O presidente do TJ-PR informou que, à época, “não houve a adoção de demais providências em desfavor do referido desembargador”.

Eis outras investigações listadas por Salomão:

– Espíndola teria participado de julgamento já estando afastado de suas funções pelo STJ, descumprindo o regimento interno (Maria Thereza de Assis Moura votou pelo arquivamento).

– Morosidade no julgamento de medidas urgentes (arquivado pela corregedoria local).

– Teria negado sustentação oral por advogado em processo que deveria se declarar impedido (Maria Thereza votou pela rejeição do recurso).

– Alegação de irregularidade em análise de ação revisional de alimentos (arquivado pela corregedoria local).

Imagem do tribunal

Durante a votação sobre o afastamento de Espíndola, o ministro Mauro Campbell, que será o próximo corregedor nacional, lembrou que a Corte Especial já recebera a denúncia “pela suposta prática de crime de lesão corporal contra uma vizinha”.

Segundo Campbell, isso reforçaria a necessidade de afastamento cautelar para “preservar não só a dignidade do cargo ocupado como também a credibilidade da Corte de Justiça Paranaense”.

Os fatos investigados são anteriores à gestão do atual presidente do TJ-PR, desembargador Luiz Fernando Tomasi Keppen, que tomou posse em 3 de fevereiro de 2023.

Keppen foi conselheiro do CNJ (2019/2021). Atuou com independência em casos de irregularidades e excessos.

Indeferiu vários pedidos procrastinatórios do advogado Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, que defendia o juiz federal bolsonarista Eduardo Luiz Rocha Cubas, que questionou a segurança das urnas eletrônicas.

Participou de sessão em que o CNJ manteve punição do TJ-SP ao desembargador Otavio Henrique de Sousa Lima, acusado de soltar o maior traficante do estado.

O Ministério Público paulista pedia o arquivamento do procedimento criminal sob alegação de que não havia indícios de que o magistrado tivesse recebido vantagens indevidas. Keppen afirmou, contudo, que “o próprio documento ressalva que havia valores não suficientemente justificados”.

Em 2022, participou da equipe da corregedoria nacional quando o CNJ determinou ao TJ-SP instaurar 68 pedidos de providências para priorizar o julgamento de processos paralisados há mais de 100 dias, especialmente os referentes a réus presos.

Folha de São Paulo

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