Política

Lula decide recriar Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos extinta por Bolsonaro

O presidente Lula (PT) vai recriar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, extinta no final de 2022, no apagar das luzes do governo Jair Bolsonaro (PL).

Essa era uma promessa de campanha do petista, que vinha sendo cobrado por familiares de vítimas da ditadura militar (1964-85) desde que ele assumiu o seu terceiro mandato.

A decisão de Lula será publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (4). Serão três atos: um despacho revertendo um ato anterior de Jair Bolsonaro (PL), que acabou com a comissão, outro dispensando os integrantes nomeados pela gestão anterior e um último indicando os novos nomes.

O presidente vai também chancelar a escolha de quatro pessoas para integrar o novo colegiado. A procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga vai retomar o posto de presidente da comissão, que exerceu até o primeiro ano do governo Bolsonaro, quando foi exonerada.

A professora universitária Maria Cecília Oliveira Adão será a representante indicada pela sociedade civil. Também tiveram as indicações confirmadas a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) e o representante do Ministério da Defesa, Rafaelo Abritta –que é civil e não militar.

Criada no governo Fernando Henrique Cardoso como forma de reconhecer vítimas do regime, localizar corpos desaparecidos e indenizar suas famílias, a comissão foi extinta no final de 2022 por Bolsonaro, que é defensor do regime militar.

Bolsonaro também tornou o colegiado, ao longo de seu mandato, uma trincheira de militares, que chegaram até mesmo a revogar reconhecimentos já estabelecidos de vítimas do regime. No final do seu governo, ele assinou um despacho dizendo que os trabalhos da comissão estavam encerrados –mesmo havendo ainda um passivo enorme de processos.

De acordo com integrantes do governo, o próprio presidente Lula decidiu pelo momento da recriação da comissão. Além de esta ser uma pauta cara para o presidente –afinal ele próprio foi preso na ditadura militar–, há um julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos marcado para a próxima semana que jogará luz sobre o tema.

O colegiado deve dar a terceira condenação ao Brasil pela ditadura, no caso, pela morte do estudante Eduardo Collen Leite, mais conhecido como “Bacuri”. Ele foi preso e morto por militares em 1970, após 109 dias de tortura.

Além disso, as vítimas da ditadura militar fazem parte da base eleitoral e sempre apoiaram o presidente Lula.

Neste terceiro governo, havia dois temores de aliados de Lula em retomar a criação da Comissão de Mortos e Desaparecidos. O primeiro era quanto a uma eventual indisposição com militares. Após os ataques golpistas de 8 de janeiro e o avanço das investigações contra a cúpula das Forças Armadas, o governo tentou criar uma relação mais institucional com alas da caserna.

Em outra frente, há um entendimento de que o conservadorismo na sociedade e o bolsonarismo no Congresso estão muito fortes. E, com isso, houve um cálculo político sobre atos do governo que possam repercutir negativamente com parlamentares.

Por isso também foram suspensos os atos para marcar o aniversário de 60 anos do golpe militar. No final de fevereiro, o presidente foi alvo de críticas de associações de familiares de vítimas por uma declaração sobre “tocar o país para frente”, quando questionado sobre o golpe militar.

“Eu estou mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro de 2023 do que com 64”, disse Lula, em entrevista à RedeTV!.

Ele também disse na ocasião: “É uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente”.

Apesar da força da oposição hoje no Congresso, auxiliares palacianos acreditam que a recriação da comissão não enfrentará dificuldades com deputados e senadores.

Quando reinstalada, os trabalhos da comissão devem dar sequência às retificações de atestados de óbito e continuar com os trabalhos na vala clandestina de Perus, descoberta na zona norte de São Paulo nos anos 1990.

O conjunto encontrado em Perus é composto por 1.049 caixas com ossadas, hoje sob os cuidados do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf) da Unifesp, que capitaneia as pesquisas.

Quando Bolsonaro trocou a chefia do colegiado, substituindo a procuradora por um aliado da hoje senadora Damares Alves (Republicanos-DF), esse foi praticamente o único trabalho que teve continuidade, porque o caso estava judicializado.

A comissão deve ainda abrir frente para novos reconhecimentos, como de camponeses e de indígenas, até hoje não reconhecidos individualmente como vítimas do estado.

Folha de São Paulo

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