Política

Lula fala só com magnatas da fé e não chega à base evangélica, diz Aava Santiago

Apoiadora da eleição do presidente Lula (PT) nos dois turnos de 2022, a vereadora de Goiânia Aava Santiago, 34, filiada ao PSDB desde a adolescência, tem despontado como uma nova líder nacional da esquerda evangélica.

Em outubro de 2022, ela, que é filha de pastores, chegou a emocionar o petista em evento religioso que o apoiou, em São Paulo. Foi a primeira vez que os dois se viram pessoalmente. Agora, acredita que o governo está patinando por não alcançar a maioria dos fiéis.

“Lula não está chegando à base [dos evangélicos]”, diz, em entrevista à Folha. “Ele está conversando com os magnatas da fé.”

A vereadora, que também é socióloga, pesquisadora e gestora pública, está em seu primeiro mandato, marcado por pautas tradicionalmente da esquerda, como defesa da escola pública e dos direitos das mulheres e das mães.

A tucana tem cuidado de todas as candidaturas de mulheres do PSDB às Câmaras Municipais, buscando qualificar as pré-campanhas. Em Goiás, criou a Frente Intermunicipal de Mulheres pelo Fim da Violência Política de Gênero, uma rede que reúne 112 prefeitas, vice-prefeitas, vereadoras e suplentes.

Depois de gerar incômodo em parte do PSDB por integrar a equipe de transição do governo Lula, Aava apresentou proposta de trabalho para mudar o foco do diálogo da gestão petista com os evangélicos e até se reuniu com ministros no início do mandato. Desde então, diz, nada avançou.

Sem esconder a indignação, a tucana diz que o principal aceno que o governo fez para os evangélicos foi na reforma tributária, “ampliando isenções e com um pacote bilionário de renúncia fiscal”.

“Quem ganha? As igrejas que têm empresas, que possuem editoras, rádios, televisão. Curiosamente são os mesmos grupos que colocaram toda a máquina para ruir a democracia na luta antidemocrática.”

Segundo ela, grande parte das igrejas tem estrutura pequena e líderes religiosos que professam a fé sem receber nenhum benefício em troca, com pastores que em geral nascem e morrem pobres.

Crítica do que considera oportunismo de parte dos evangélicos, Aava ataca a postura de líderes religiosos radicais beneficiados pelo governo.

“Nenhum desses pastores radicalizados, que falaram que a esquerda era inimiga da igreja, foi para o púlpito para chamar os fiéis para darem uma chance [ao governo]. Tudo que a bancada evangélica pediu foi acolhido na reforma tributária. O teste foi na reforma tributária, colocando isenção para agradar a bancada evangélica”, afirma.

Segundo a vereadora, a maioria das igrejas não está preparada para lidar com assuntos considerados sensíveis, como o aborto, que, de acordo com ela, é tratado de forma “muito danosa, empobrecendo o verdadeiro debate” na política brasileira.

“Acredito muito que a legislação não tem como retroceder de maneira alguma”, diz. No Brasil, o aborto legal ocorre em três situações: risco de morte à gestante, em caso de estupro e em caso de anencefalia do feto (má formação cerebral).

Aava defende que as mulheres devam ter uma rede de acolhimento para não passarem pelo “procedimento traumático” de interrupção da gravidez e ressalta que a maioria das mulheres recorre ao aborto no desespero e, por isso, têm acesso a procedimentos violentos e clandestinos.

“Nunca vou recomendar que uma mulher faça um aborto, mas nunca vou criminalizar uma mulher que decide fazê-lo”, diz.

Entre as causas do desespero, Aava cita abandono paterno, falta de acolhimento da sociedade e até da igreja. Antes de alguém falar que é contra o aborto, na opinião dela, é preciso perguntar quais possibilidades existem para as futuras mães criarem seus filhos.

“É uma exclusão em série. São excluídas da família, da escola, da igreja. A gente tem uma igreja contra o aborto, mas que não tem ações concretas. Não estou falando de doação de cesta básica e de fraldas, por exemplo, mas, sim, de formação teológica para que o fiel não seja misógino com a menina engravidada. Transformar gravidez em tortura não é papel de crente”, diz.

Por causa de seus posicionamentos, Aava voltou a ser procurada por interlocutores do Planalto. No entanto, até o momento, ela diz que não deseja se filiar ao PT. A vereadora tem relação próxima com o presidente nacional do PSDB, Marconi Perillo.

Nascida em Barra do Garças (MT) e criada no Rio de Janeiro, ela se mudou para Goiás, aos 15 anos, com a família, para ficar distante da violência da capital carioca.

Na época, ela se filiou ao PSDB porque Perillo governava o estado e liderava programas de transferência de renda para a população economicamente vulnerável.

Agora, a vereadora busca a reeleição, sendo vista como um dos principais nomes da oposição em Goiânia e uma das mais destacadas apoiadoras de Lula. Segundo ela, o presidente também deve encampar a pauta da defesa da família, mas de maneira diferente dos políticos de direita.

Folha de São Paulo

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