Saúde

Má gestão de resíduos promove doenças infecciosas, cardiovasculares, respiratórias e endócrinas

A má gestão dos resíduos sólidos pode levar a uma série de doenças, como as infecciosas, cardiovasculares, respiratórias e endócrinas, que respondem hoje por até 1 milhão de mortes anuais em todo o mundo, segundo relatório recente da ONU (Organização das Nações Unidas).

Entre as doenças mais comuns associadas a essas condições estão gastroenterites, cólera, hepatite A e outras infecções intestinais, mais frequentes em áreas onde não há infraestrutura adequada de saneamento e gestão de resíduos.

A presença de vetores como moscas, mosquitos e roedores, em áreas de deposição de lixo, onde há também acúmulo de água, também aumenta o risco de transmissão de doenças como dengue, malária, leptospirose e febre tifoide.

A queima de lixo a céu aberto e a presença de poluentes no ar causam irritação nas vias respiratórias e agravam quadros de asma, bronquite e outras condições respiratórias, além de aumentar o risco de doenças cardiovasculares.

“[Os poluentes atmosféricos] reproduzem em pequena escala o que o fumo causa ao pulmão e ao coração. O fumo está reduzindo no mundo, já no caso da poluição do ar, só aumenta o número de expostos”, diz o patologista Paulo Saldiva, professor e pesquisador da USP.

Um estudo recente da USP, publicado na revista Environmental Research, mostra que a exposição a longo prazo à poluição atmosférica da cidade de São Paulo está diretamente ligada ao aumento dos riscos cardíacos.

Os pesquisadores analisaram necropsias de 238 pessoas e dados epidemiológicos, além de fatores de risco, como histórico de tabagismo e hipertensão, e concluíram que a fibrose cardíaca, um indicador de doença no coração, está associada ao tempo de exposição às partículas de carbono negro— um indicador de poluição atmosférica.

Segundo Saldiva, o nível de concentração de poluição depende do tempo de exposição. Por exemplo, pessoas que permanecem horas em corredores de tráfego recebem doses maiores de poluentes e, portanto, têm mais riscos de agravos.

Nos últimos anos, tem aumentado a preocupação com os microplásticos. Eles estão por todos os lados. Na água, no ar, no solo, no organismo de animais e dos humanos. Já foram encontrados no sangue, na placenta e em diversos órgãos como coração, fígado, pulmão e cérebro.

Embora ainda haja uma lacuna de estudos científicos que associem os microplásticos, pequenas partículas com dimensões menores do 5 milímetros, a danos diretos à saúde, a literatura científica tem avançado.

Um estudo publicado em março deste ano na revista científica The New England Journal of Medicine demonstrou, pela primeira vez, o risco potencial dos microplásticos ao coração.

O trabalho acompanhou durante 34 meses um total de 257 pessoas submetidas a uma cirurgia para a remoção de placas de gordura em uma artéria do pescoço.

Ao analisar essas placas, os pesquisadores encontraram microplásticos em quase 60% da amostra (150 participantes). A maioria era de polietileno, comum em sacolas e embalagens. Também foram encontradas amostras de PVC.

Nesse grupo, o risco de ataque cardíaco, de AVC (acidente vascular cerebral) ou de morte foi 4,5 vezes maior em relação a quem não tinha microplásticos nas artérias. Isso ocorreu após ajustes de dados para idade, sexo, índice de massa corporal e condições de saúde, como diabetes e colesterol alto.

Ainda que os resultados demonstrem apenas uma associação (não provam uma causalidade), eles marcam um ponto de virada na literatura científica sobre o impacto dos resíduos plásticos na saúde humana, segundo especialistas.

“Esse é o primeiro estudo em que se registrou microplástico no ateroma [placa de gordura] e associou isso a eventos cardiovasculares subsequentes. A gente sabia que podia acontecer, mas agora tem uma pista muito importante”, diz o cardiologista Andrei Carvalho Sposito, professor titular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Muitos estudos experimentais já demonstraram que os microplásticos podem causar reações inflamatórias e oxidativas, além de morte celular.

“O microplástico entra pela via respiratória e os hematócritos, nossos defensores, englobam essa partícula. Mas não eles conseguem digerir plástico. Isso causa um estímulo inflamatório que vai culminar na morte celular desse hematócrito. E a atividade inflamatória é um importante causador de infarto e morte cardiovascular”, explica Sposito.

Estudos sobre a absorção de microplásticos e outros poluentes por seres humanos são complexos e esbarram em questões éticas. Seria inaceitável, por exemplo, expor pessoas à ingestão de plásticos em um ensaio clínico.

Para a médica Thaís Mauad, professora associada do departamento de patologia da USP, a partir deste novo estudo com as placas de gordura, a expectativa é que a pesquisa clínica sobre microplásticos avance de forma mais consistente.

“A gente também esbarra em problemas técnicos, é muito caro para fazer análises, não tem financiamento. Sabemos que ele entra pela cavidade oral e que está circulando no sangue. Mas o quanto faz mal? Qual o impacto ao longo da vida ou na fase de desenvolvimento? Nada disso a gente ainda sabe.”

Na patologia da USP, há linhas de pesquisa com as partículas de plástico encontradas no ar. Estuda-se, por exemplo, a sua presença dentro do nariz, o seu comportamento no processo de inalação, a chegada e o impacto ao pulmão. Também há pesquisas com amostras de microplásticos recolhidas em autópsias.

Segundo o engenheiro civil Marcelo Guimarães Araújo, pesquisador da Fiocruz, outra fonte de preocupação são os aditivos químicos adicionados aos plásticos. Mais de mil deles já foram classificados como desreguladores endócrinos.

Outro aditivo, o bisfenol A (BPA), usado na produção de plástico policarbonato, já foi detectado no sangue de mulheres grávidas, no líquido amniótico, no tecido placentário e no sangue do cordão umbilical, indicando exposição fetal.

Em 2011, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu a presença do bisfenol A em mamadeiras destinadas a crianças de até 12 meses. A substância está associada a um maior risco de diabetes, obesidade infantil, puberdade precoce e alterações na glândula tireoide.

Não existem meios de prevenção individual contra os eventuais impactos do microplástico à saúde, mas os especialistas defendem que reduzir o consumo de plásticos descartáveis, como copos, garrafa, sacolas e outras embalagens, já é um bom começo.

“Todo evento tem um copinho de plástico. Cerca de 40% do que está no ar, é plástico de uso único. Os alimentos ultraprocessados são grandes geradores de plástico”, diz Thais Mauad, da USP.

Para ela, falar em reciclagem hoje é uma bobagem. “É só para o consumidor aliviar a consciência. Só 20% será reciclado, e o resto vai para o aterro. O mais importante é reduzir o consumo.”

Informação

Folha de São Paulo

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