Mortalidade materna de mulheres pretas é o dobro de brancas e pardas, diz estudo
Mulheres pretas têm quase duas vezes mais risco de morrer durante o parto ou no puerpério que mulheres pardas e brancas, segundo um estudo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) publicado em junho na Revista de Saúde Pública.
A pesquisa investigou a taxa de mortalidade materna segundo a cor da pele antes e durante a pandemia da Covid, de 2017 a 2022, considerando também a causa da morte, região do país e faixa etária.
Em todos os cinco anos, causas, regiões e faixas etárias, mulheres pretas tiveram piores resultados que pardas e brancas —que apresentaram resultados semelhantes— e até mesmo indígenas.
“O racismo é um problema da sociedade brasileira”, diz Fernanda Garanhani Surita, professora de obstetrícia da Unicamp e coautora do estudo. “Não é que as pessoas pretas tenham problemas de saúde maiores e por isso morrem, elas têm dificuldade de acesso [à saúde] e de cuidado qualificado. É uma questão muito profunda.”
A morte materna é aquela ocorrida em decorrência da gravidez, durante o parto ou no pós-parto. Cerca de 92% são evitáveis e ocorrem principalmente por hipertensão, hemorragia, infecções e abortos provocados.
Em geral, de 2017 a 2022, a taxa de mortalidade materna foi de 67 mortes por 100 mil nascidos vivos no Brasil. Mulheres brancas e pardas contabilizaram 64 mortes, mas mulheres pretas tiveram índice de 125,8 (quase o dobro).
Os dados da pesquisa foram coletados no DataSUS, do Ministério da Saúde, e as categorias de raça seguiram a classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Surita explica que os pesquisadores optaram por analisar separadamente pretas e pardas para que não houvesse o risco de “invisibilizar o quanto os números são piores para mulheres pretas”.
“Isso mostra que, mesmo dentro de grupos vulneráveis, há mulheres expostas a mais vulnerabilidades”, diz Surita.
Os pesquisadores afirmam que não compararam as taxas de mulheres indígenas porque há diferentes fatores relacionados a essa desigualdade de tratamento sofrida por elas. Também deixaram de fora da comparação mulheres amarelas devido à baixa porcentagem delas na população.
A maior taxa de mortalidade materna de mulheres pretas foi registrada na região Norte, atingindo 186 mortes por 100 mil nascidos vivos. Apenas nessa região não houve diferença nas taxas de mortalidade de pretas e pardas.
Durante a pandemia, período também analisado pela pesquisa, estudos mostraram que pessoas negras tinham mais risco de morrer de Covid. Os dados da Unicamp mostram que, se tratando de morte materna, essa diferença sempre existiu. “A pandemia só colocou uma lupa”, diz Surita.
“Trabalho muitos anos com mortalidade materna, e apesar de ser um ótimo indicador de saúde, ainda bem que é um evento raro, e por ser um evento raro, ele é difícil de ser avaliado”, afirma a professora. “Quando a pandemia veio, como morreu muita gente, a mortalidade materna chamou atenção.”
A pesquisa, que faz parte de um estudo sobre disparidades raciais e obstetrícia, mostra que tanto antes quanto durante a pandemia os resultados foram piores para pessoas pretas.
Segundo Surita, os dados encontrados na pesquisa podem ajudar a fortalecer políticas públicas que pensem em acabar com a desigualdade. Os pesquisadores afirmam ainda que é necessário “reconhecer o racismo em todos os níveis de atenção: durante o pré-natal, parto e período pós-parto, por meio da detecção precoce da morbidade materna e tratamento de condições potencialmente fatais”.
Dados do Ministério da Saúde apontam que a população negra tem piores índices gerais de saúde no país. Isso inclui maiores taxas de mortalidade materna e infantil, prevalência de doenças crônicas e infecciosas, piores índices de violência, de acesso a atendimentos de saúde, e até alimentação.
Desde 2009, o país tem a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que reconhece o racismo institucional como determinante para a saúde.
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Informação
Folha de São Paulo