‘Não quero estar em lugar de superação, mas de referência’, diz atriz com doença rara
Meu nome de batismo é Érica. Minha mãe me deu esse nome porque sempre gostou muito de flores e plantas e essa era uma flor que resistia até no cimento. Como eu era a segunda filha de uma mulher negra, ela sabia que a minha vida não ia ser fácil. Eu precisaria entender o processo com a leveza de uma flor. Quando me iniciei na religião de matriz africana, passei a ter o nome de referência da minha identidade, Mona Rikimbi, que quer dizer “filha do sol”.
Eu demorei um certo tempo para ter o meu diagnóstico. Comecei com muita dor no corpo em 2000, aos 30 anos, mas não entendia o que estava acontecendo. Eu lutava contra algo que não sabia o que era. Em 2006, fiz a primeira cirurgia para aliviar a pressão intracraniana, tinha dor de cabeça. Em 2008, tive um surto com perda da força e só conseguia mexer os olhos. Fui fazendo outras cirurgias, foram sete, e a situação só piorava.
Já tinha entrado na cadeira de rodas em 2007 e, desde muito cedo, eu me mantive ligada à arte. Comecei com 7, 8 anos, porque tinha por perto o Centro Cultural do Jabaquara, na zona sul de São Paulo. Sou de uma época em que a televisão era uma das melhores opções como arte. Por ser preta e periférica, era um mundo que minha mãe sabia que ia ser mais complicado. Então, fiz curso técnico em nutrição e em enfermagem. Não podia viver de arte.
Comecei a fazer parte de algumas iniciativas, como o Grupo das Cadeirudas, formado por mulheres pretas que tinham a deficiência em comum, mas entendiam que a vida vale a pena. A gente passeia viaja, compartilha nossa vida e nossa história. Só chegaram ao meu diagnóstico em 2014. Era neuromielite óptica (NMO), uma doença autoimune rara, que afetou minha visão e meus movimentos.
Quando veio a doença, achava que não ia ter mais jeito. Só que isso também me ajudou a entender que era uma pessoa ligada à arte e que ela me trazia para uma vida diferente. Foi um processo lento de me entender como um ser artístico e o que eu tinha de melhor era essa visão de mundo africana.
Tive contato com o teatro e, muitas vezes, foi o que me salvou. O teatro dá a possibilidade de viver várias vidas e vários personagens. Efetivamente, me trouxe o que é visto como cura. Comecei a dança, mas ninguém falava de dança afro. Em 2017, fui primeira mulher negra a dançar no Theatro Municipal e foi quando veio o quando veio o documentário “Mona”.
Tenho um trabalho autoral, escrevo meus contos e formei uma nova perspectiva de dança a partir deste corpo, dito como dissidente, mas é um corpo que me coloca em cena de novo. Hoje, eu me entendo e me redescobri.
Fiz parte da série “Viver é Raro” (Globoplay) e tinha muito medo de que ela viesse com o viés da doença, porque queria dizer o que aconteceu e faz parte da minha vida, mas não me representa. A doença chegou, mas não me define. Não queria estar em um lugar de superação, mas de referência. Sou protagonista da minha história sem ter a necessidade de ter muita dor. É um processo de vivenciar, entender e querer compartilhar o entendimento de que a vida vale a pena.
Mona Rikumbi em depoimento a Paula Felix
Veja