Saúde

Novo representante de SP no CFM nega eficácia de vacinas da Covid-19 baseado num grande nada

A julgar pelo seu comportamento nas redes sociais, o infectologista Francisco Cardoso, recém-eleito como representante do estado de São Paulo no CFM (Conselho Federal de Medicina), não aparenta ter muito apreço por jornalistas. É possível que ele se sinta tentado a me receitar algumas doses diárias de fogo e enxofre por esta coluna. Mas é difícil ficar de boca fechada quando alguém na posição dele continua repetindo que não existem “estudos definitivos favoráveis sobre a eficácia [das vacinas contra Covid-19] em prevenir infecção, diminuição de óbito, agravo clínico ou controle de epidemia”.

Eu ficaria um pouco menos perplexo com a opinião de Cardoso se ele fosse um caso isolado. Seu triunfo eleitoral, no entanto, confirma que a visão dele representa uma parcela expressiva da classe médica brasileira. Pode ser que, no afã de atender a seus pacientes, tais médicos não tenham tido tempo de acompanhar a literatura científica. Segue, portanto, um breve resumo do que sabemos sobre o tema.

Um estudo que analisou 28 diferentes testes clínicos, com vários tipos de vacinas contra a doença, somando quase 300 mil vacinados, mostrou uma eficácia de 76,5% contra a manifestação de sintomas e entre 90% e 85% de eficácia para prevenção de formas graves da doença e morte.

Outra análise, levando em conta apenas o ano inicial de vacinação em massa no mundo (de dezembro de 2020 a dezembro de 2021), indica que entre 15 milhões e 20 milhões de vidas foram salvas pelo uso dos diferentes imunizantes nesse período. Por fim, as pessoas vacinadas que acabaram sendo infectadas com o vírus Sars-CoV-2 correm risco 50% menor de desenvolver a chamada Covid longa, na qual sintomas associados à infecção se prolongam por meses ou mesmo anos.

Eu poderia continuar com essa litania quase indefinidamente. Embora as vacinas contra a Covid-19 não sejam perfeitas —o que, de resto, vale para qualquer outro medicamento—, seu impacto preventivo contra versões graves da doença e mortes é praticamente impossível de negar com o que sabemos hoje. A pandemia não teria se tornado controlável sem elas —não sem muito mais lágrimas do que as que foram vertidas de 2020 para cá.

Seria interessante, portanto, saber de onde vem o ceticismo do infectologista. Se ele e colegas de opinião semelhante foram capazes de reunir dados confiáveis que demonstrem o contrário, por que eles ainda não foram publicados em periódicos científicos com revisão por pares?

Investigar as motivações “reais” de outras pessoas sem contar com poderes telepáticos é sempre arriscado. Não deixa de ser curioso, mesmo assim, que a defesa de uma suposta medicina “apolítica” por parte de Cardoso e colegas de orientação parecida coincida em praticamente tudo com o posicionamento do bolsolavismo sobre a natureza da pandemia. Tal como na defesa de uma suposta educação “não ideológica” pelo mesmo campo político, ideologia parece ser uma coisa que só os outros têm.

Isso é café pequeno, porém, quando se considera o risco embutido no ato de lançar dúvidas sobre as vacinas da Covid-19 sem uma excelente razão para isso. Ainda não está claro se a desconfiança diante dessa imunização específica é capaz de “transbordar” para a vacinação como um todo, mas a mera possibilidade de que isso aconteça deveria deixar todas as pessoas que ainda têm a cabeça no lugar de cabelo em pé.


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Informação

Folha de São Paulo

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