Saúde

O PL Antiaborto por Estupro e a manutenção de direitos que não existem

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A última semana foi tomada por discussões sobre aborto legal, estupro e viabilidade fetal no Brasil —de Luciano Huck fazendo pronunciamento em horário nobre do domingo na Globo à interpretação de um feto chorando em sessão do Senado.

Isso porque a Câmara aprovou regime de urgência para o PL 1904, que tem o objetivo de equiparar a punição para o aborto à reclusão prevista em caso de homicídio simples, com pena que pode chegar a 20 anos.

De forma resumida, o PL colocaria um teto de 22 semanas na realização de qualquer procedimento de aborto em casos de estupro. O prazo foi definido pelo autor do PL, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), para designar viabilidade fetal, ou seja, a partir de quantas semanas o feto poderia sobreviver fora do útero.

Hoje, o procedimento só é permitido em gestação decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal. Nos três casos, não há limite da idade gestacional para a realização do procedimento.

Se aprovado o PL, uma mulher que carregar uma gestação resultante de estupro e realizar o aborto após a 22ª semana poderia ter uma pena maior que a de seu estuprador.

Seria, por exemplo, o que aconteceria com Karen (o nome é fictício), menina que, aos 14 anos, descobriu uma gestação já na 29ª semana após ter sido estuprada pelo marido da avó —ela conseguiu realizar o aborto na 31ª semana. O caso foi relatado em reportagem de Cláudia Collucci.

Em outra de suas matérias, profissionais de saúde compartilharam histórias que ilustram um perfil frequente de crianças vítimas de estupro que buscam o aborto legal com gravidezes acima de 22 semanas.

A reação ao PL foi negativa. Manifestantes realizaram atos durante a semana e no final de semana em diversas cidades do país, com cartazes com frases como “Criança não é mãe”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) afirmou que havia “irracionalidade” no PL, que o presidente Lula (PT) chamou de “insanidade”.

Com isso, após dar urgência ao PL durante votação informal, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou na terça-feira (18) que vai criar uma “comissão representativa” para que o debate não ocorra de forma apressada.

O deputado Sóstenes Cavalcante sinalizou que o conteúdo da matéria poderá ser ajustado, mas disse “não abrir mão” do cerne da proposta.

O aborto legal por gravidez fruto de estupro segue ameaçado. Como era, inclusive, antes mesmo da discussão sobre o PL.

Em março, escrevi sobre as humilhações enfrentadas por mulheres que tentam acessar o aborto legal para a abertura da série Direitos Reprodutivos. Ainda ali, durante as entrevistas, líderes de ONGs afirmaram que, das três interrupções possíveis, a resultante de estupro era a mais negada nos hospitais.

Recentemente, em São Paulo, foi encerrado o serviço de aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, o único do estado que aceitava pacientes acima da 20ª semana de gestação. Agora, só três cidades no país fazem o procedimento.

Três meses depois, já com a repercussão do PL, entrevistei novamente a pesquisadora Marina Jacobs: “O aborto legal como um todo é uma vergonha, as pessoas quase não têm acesso a ele […] Dizer que hoje o direito está garantido e que a gente vai perder, não é verdade”, disse ela.

No final, as discussões são para manter um direito que nem sequer é garantido no país.

Li por aqui

Aproveitando a discussão sobre os direitos reprodutivos, indico a série que temos sobre o tema. Os textos mostram, além do aborto legal, a realidade no outro lado: a prevenção da gravidez não está garantida no país e a ajuda para engravidar também não é acessível.

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O livro “Gravidez Indesejada”, da pesquisadora Diana Greene Foster (Sextante). A demógrafa e professora da Universidade da Califórnia em São Francisco (EUA) liderou um estudo que mediu o impacto do procedimento em gestantes. Segundo ela, mulheres que abortam sentem alívio, não arrependimento. A jornalista Bárbara Blum entrevistou Foster para a Folha.


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Informação

Folha de São Paulo

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