O risco de mexer no arcabouço fiscal
Como a taxa de variação de 3,6% real é bastante conservadora, a meu ver, a chance de o governo estar em condições de lançar mão do artigo 14 e elevar o limite de gastos de 2024 (no máximo valor possível) é altíssima, após a apresentação do RARDP do segundo bimestre. O aumento do limite seria de 0,8% vezes a base de 2023 (R$ 1.964 bilhões), isto é, R$ 15,7 bilhões.
Contudo, se o resultado primário, no mesmo relatório, estiver muito próximo ou igual à meta fiscal fixada para o ano, essa suplementação estaria impedida. No mínimo, haveria uma controvérsia e o TCU teria de ser demandado a avaliar a questão (em tese, pois ele não pode avaliar questões específicas, não custa lembrar). De todo modo, de que adiantaria jogar o limite para cima se o primário acabasse por bloquear gastos para valer? De nada.
Ocorre que é muito provável a materialização desse cenário de aperto nas projeções do governo para o resultado primário de 2024 já no RARDP de maio. Como vimos, as receitas estimadas oficialmente ainda estão bem polpudas. A tendência é que sejam revisadas para baixo.
As despesas obrigatórias estimadas, por sua vez, precisarão ser recompostas. Terão de subir. É o caso das despesas previdenciárias, que estão projetadas em R$ 914,2 bilhões, quando, na Warren Investimentos, calculamos R$ 932,5 bilhões. Uma “pequena” diferença de R$ 18,3 bilhões a ser recomposta. Então, o déficit projetado, no cenário de alta real de 8% para as receitas líquidas, passaria de R$ 45,3 bilhões para R$ 63,6 bilhões.
Farejando a escassez e a situação de penúria, os atores políticos favoráveis à expansão do limite de gastos aceleraram a tramitação da proposta de mudança do Novo Arcabouço Fiscal. Aprovou-se a medida na Câmara e, agora, o Senado terá de apreciá-la.
A ideia é trazer para o presente a possibilidade de uso do mecanismo de reajuste do limite de gastos. Além disso, não seria mais preciso enviar um projeto de lei para suplementar o Orçamento ao Congresso Nacional. A medida dar-se-ia por ato do Poder Executivo. É preciso questionar: não há vício de iniciativa nesse movimento? O Congresso, por acaso, pode propor mudança no regramento orçamentário-fiscal? A meu ver, trata-se de matéria reservada ao Poder Executivo, conforme a Constituição Federal. Mas isso eu deixo para os amigos juristas.
E por que trazer para já a subida do limite? É que, se a autorização não estiver sujeita ao período pós segundo relatório bimestral, o cenário de folga fiscal apresentado no RARDP do primeiro bimestre poderia garantir a expansão do limite sem questionamentos.
Repito: o déficit primário projetado pelo governo no relatório do primeiro bimestre está em R$ 9,3 bilhões. A meta, com banda, é um déficit de R$ 28,8 bilhões. Logo, o limite de gastos poderia ser expandido para pouco mais de R$ 2.104 bilhões (subida de R$ 15,7 bilhões) e o déficit primário projetado pelo governo, a partir do RARDP do primeiro bimestre passaria para R$ 25 bilhões (ante aos R$ 9,3 bilhões iniciais), ainda com folga de R$ 3,8 bilhões em relação à meta (com banda). Lembrando: a meta fiscal é igual a zero, mas a banda é de -R$ 28,8 bilhões.
Matéria: UOL Economia