Para ir longe sem fazer barulho, carro elétrico impõe novos desafios à indústria de pneus
Carros elétricos não fazem barulho e são capazes de arrancadas vigorosas, embora carreguem o peso extra das baterias. Tais características podem parecer um sonho para os fãs de alto desempenho, mas são o pesadelo das fabricantes de pneus.
“Um pneu de carro elétrico deve possuir uma baixíssima resistência ao rolamento, para que a autonomia das baterias seja maior. Outro ponto importante é o aumento do peso, que exige uma maior capacidade de carga”, diz Fabio Magliano, gerente de produtos da Pirelli América Latina nas divisões Car e Motorsport. A empresa produz a linha Elect, exclusiva para veículos a bateria.
“Um terceiro aspecto é relacionado ao alto torque e à transmissão instantânea [de força] para as rodas, muitas vezes maior do que em um automóvel com motor a combustão”, acrescenta Magliano.
Essas características dinâmicas foram medidas pelo IMT (Instituto Mauá de Tecnologia) no teste feito em parceria com a Folha. As versões elétricas e a gasolina do SUV BMW X1 passaram pela avaliação —os carros compartilham a mesma plataforma e são visualmente idênticos.
O modelo com motor 2.0 turbo (204 cv) pesa 1.450 quilos e precisou de 8,2 segundos para ir do zero aos 100 km/h. Já a opção iX1 xDrive30 (230 cv), que tem 535 quilos a mais devido principalmente às baterias, cumpriu a prova em 5,9 segundos.
Por outro lado, o BMW a gasolina é capaz de rodar 1.015 km na estrada a 90 km/h, segundo a medição feita pelo IMT. A média rodoviária de consumo ficou em 18,8 km/l, e seu tanque comporta 54 litros de combustível. No uso urbano, com 12,7 km/l de média, seria possível percorrer 686 km.
Nas mesmas condições de uso, o elétrico iX1 registrou uma autonomia de 352 km na cidade e de 314 km na estrada. Seus pneus são diferentes dos usados na versão 2.0 turbo: foram desenvolvidos para suportar o peso extra ao mesmo tempo que permitem chegar mais longe.
“O nome do jogo é eficiência, e os pneus dos elétricos não são iguais aos dos carros convencionais”, diz Emílio Paganoni, gerente sênior de suporte técnico, garantia e relacionamento com clientes do BMW Group Brasil.
Paganoni explica que a escolha dos pneus é feita por meio de testes durante o desenvolvimento do carro. As fabricantes apresentam suas opções às montadoras e, a partir daí, vem os milhares de quilômetros de rodagem e avaliações de laboratório para se fazer a escolha mais adequada a cada carro.
“Se um elétrico utilizar um pneu desenvolvido apenas para um carro a combustão, pode perder até 5% de autonomia”, calcula o executivo da BMW.
E se o consumidor quiser colocar um pneu desenvolvido para um veículo elétrico em um modelo a gasolina? Paganoni diz que as vantagens seriam muito pequenas, imperceptíveis no cotidiano, já que as características dos veículos são diferentes.
Em relação ao ruído, por exemplo: por serem naturalmente mais barulhentos, o motor a explosão e seu sistema de transmissão suplantam o som dos pneus rolando sobre o asfalto. Dessa forma, não é preciso um trabalho tão apurado de filtragem.
Outro problema que torna a troca desaconselhável é o preço. Enquanto um pneu indicado para o elétrico BMW iX1 (245/40 R20) custa por volta de R$ 2.500, as opções para seu “irmão” a gasolina são encontradas por entre R$ 1.500 e R$ 2.000 na mesma medida.
Além disso, o menor peso dos automóveis convencionais não exige uma capacidade de carga tão alta quanto a dos equivalentes elétricos. Mas as fabricantes tiveram de ampliar as especificações para atender à nova demanda.
“Surgiram os pneus classificados como HL [high load, carga elevada], que, na mesma dimensão, podem suportar um peso maior do que os pneus até então chamados de XL [extra load, carga extra]”, diz Flavio Santana, gerente de produto da Michelin América do Sul.
Quaisquer que sejam as mudanças de tecnologia e capacidades, a eficiência energética está sempre no centro da questão.
“Os pneus são responsáveis por até 20% do consumo porque, para rodar, eles transformam parte importante da energia em calor. Esse calor é dissipado na atmosfera, não é aproveitado para o movimento do veículo”, afirma Santana. “Daí vem a chamada ‘resistência ao rolamento’.”
O executivo diz que a Michelin lançou as primeiras opções voltadas para redução de consumo em 1992. Na época, parte do negro de carbono passou a ser substituído por sílica, ao mesmo tempo em que a evolução tecnológica permitia a redução de peso.
“Quanto menor a massa, menor será a resistência ao rolamento, e buscamos outras formulações químicas e estruturas internas que colaborem para essa redução. Se compararmos os pneus da década de 1990 com os atuais, temos uma redução de massa de aproximadamente 30% para pneus de mesma dimensão”, diz o gerente da Michelin.
“O fator de resistência ao rolamento vem caindo de 11 kg/ton [quilogramas por tonelada] para menos de 6,5 kg/ton, e já temos muitos pneus classificados como ‘A’ na etiqueta de qualidade do Inmetro em consumo de combustível”, completa Santana. A escala desse selo de eficiência vai de “A” a “G”.
O ganho de eficiência também está presente na produção. Para se adequar à agenda ESG, os fornecedores de pneus buscam reduzir o consumo de matéria-prima, de água e de energia na fabricação. Há também a preocupação com a durabilidade, que evita a geração de lixo e a sobrecarga dos sistemas de reciclagem. Contudo, essa parte depende também do uso do automóvel.
“O peso maior do veículo elétrico não tem tanta influência no desgaste dos pneus, mas o torque, sim”, afirma Santana. “Os principais fatores de desgaste são os momentos de aceleração e frenagem —e, diferentemente do que muitos pensam, o desgaste nas curvas não é tão acentuado, desde que realizadas na velocidade permitida para cada trecho pelo órgão de trânsito.”
Segundo o gerente da Michelin, um motorista que pratica a direção econômica —acelerando progressivamente e seguindo o fluxo natural dos veículos, só acionando os freios para concluir a parada, entre outros fatores— fará um pneu ter uma durabilidade muito elevada, independentemente se ele conduz um automóvel elétrico ou a combustão interna.
“Já o contrário, um condutor que gosta de arrancar na frente dos demais, que faz alterações de faixa constantemente dando golpes na direção de forma seguida e que freia forte em cima da hora exigindo o máximo dos freios fará com que os pneus durem muito pouco.”
Folha de São Paulo