Pesadelos podem ser um sinal de alerta precoce de um surto de doença autoimune
Os pesadelos são desagradáveis, mas perfeitamente normais —para a maioria das pessoas. Entretanto, meus colegas e eu descobrimos recentemente que eles também podem ser um presságio de doenças autoimunes, como o lúpus.
Nosso estudo, publicado na revista The Lancet eClinicalMedicine, explorou possíveis sinais de alerta precoce de surtos de doenças autoimunes. Ouvimos 676 pacientes com lúpus e 400 médicos, e realizamos mais de 100 entrevistas aprofundadas.
Perguntamos sobre os sintomas neurológicos e de saúde mental que os pacientes apresentavam e quando eles ocorreram em relação ao início da doença. Isso incluiu sintomas como mau humor, alucinações, tremores e fadiga. Também perguntamos se havia um padrão habitual de sintomas para os pacientes quando eles estavam prestes a ter um surto (piora dos sintomas).
Muitos pacientes descreveram sintomas que ocorriam imediatamente antes de suas crises. Embora os padrões variassem de pessoa para pessoa, eles eram geralmente semelhantes nos surtos de cada um. Os pacientes geralmente sabiam quais sintomas eram um sinal de que sua doença estava prestes a piorar.
Pesadelos que surgem antes de doenças autoimunes foram encontrados em outras doenças neurológicas. As descrições de pesadelos relacionados a crises em nosso estudo geralmente envolviam ser atacado, preso, esmagado ou cair. Muitos eram extremamente angustiantes. Uma pessoa os descreveu como: “Horríveis, como assassinatos, como a pele saindo das pessoas, horríveis”.
Outra descoberta importante foi que esses pesadelos geralmente ocorriam antes de um surto da doença, principalmente em pessoas que tinham alucinações como parte do padrão da doença. Isso era mais provável em pessoas com lúpus do que em outras doenças reumatológicas, como a artrite inflamatória. Isso não foi inesperado, pois o lúpus é conhecido por afetar o cérebro em alguns casos.
Entre as pessoas que também contaram ter alucinações, 61% dos pacientes com lúpus e 34% com outras doenças reumatológicas autoimunes relataram um aumento da interrupção do sono (principalmente pesadelos) imediatamente antes das alucinações.
Pesadelos
Um estudo anterior nosso constatou que mais de 50% das pessoas raramente ou nunca relataram sintomas de saúde mental aos seus médicos. Embora as pessoas geralmente se sentissem mais à vontade para falar com nossos entrevistadores do que com seus médicos, usamos a palavra “pesadelo” para reduzir a sensação de medo e estigma que muitas pessoas sentem em relação à palavra “alucinação”.
Os pacientes também acharam que “pesadelo” era uma boa descrição, pois as experiências de alucinação eram frequentemente descritas como estados semelhantes a sonhos “entre o sono e a vigília” e “sonhos acordados”. Muitos pacientes descreveram a palavra e a descrição como um momento de “iluminação” para eles:
Você disse a palavra pesadelo e, assim que falou isso, fez sentido, não é necessariamente assustador, é como se você tivesse tido um sonho e, no entanto, estivesse acordado no jardim… Eu vejo coisas diferentes, é como se eu saísse dele e é como quando você acorda e não consegue se lembrar do seu sonho, e você está lá, mas não está lá… é como se eu me sentisse realmente desorientado, a coisa mais próxima que consigo pensar é que me sinto como se eu fosse a Alice no País das Maravilhas.
Muitas pessoas com lúpus e outras doenças autoimunes podem ter jornadas longas e difíceis até o diagnóstico. Uma maior compreensão da vasta gama e do tipo de sintomas que esses pacientes apresentam poderia levar a menos diagnósticos incorretos e a um melhor tratamento. As pessoas cujos primeiros sintomas de doença autoimune são psiquiátricos têm maior probabilidade de serem diagnosticadas e tratadas erroneamente, como explicou uma enfermeira de reumatologia.
“Já vi (pacientes) serem internados por um episódio de psicose e o lúpus não foi detectado até que alguém dissesse: ‘Ah, será que pode ser lúpus?’… mas aí já passaram vários meses muito difíceis… especialmente com mulheres jovens, e aprendendo mais que é assim que o lúpus afeta algumas pessoas. Não é de medicamentos antipsicóticos que elas precisam, mas sim de muitos esteroides”, disse.
Os médicos também dispõem de pouco tempo, principalmente com doenças complexas como o lúpus, que pode afetar qualquer parte do corpo. Um reumatologista que entrevistamos disse que discutir esses sintomas não era uma prioridade.
“Ouvi o que você está dizendo… sobre os pesadelos e alucinações, e acredito nisso, mas o que estou dizendo é que não é possível incluir isso no tratamento de rotina do lúpus”, afirma.
Entretanto, a maioria dos médicos que participaram do estudo disse que agora começaria a perguntar sobre pesadelos e outros sintomas a seus pacientes. Vários relataram aos entrevistadores que seus pacientes estavam agora relatando regularmente esses sintomas, e que isso estava os ajudando no monitoramento da doença.
Sintomas como pesadelos não estão nos questionários de diagnósticos, portanto, pacientes e médicos geralmente não os discutem. Confiar na observação do médico, nos exames de sangue e nas varreduras cerebrais para diagnosticar doenças não funciona para sintomas que são invisíveis e ainda não aparecem —e talvez nunca apareçam— nos exames.
Nosso estudo também destaca a importância do trabalho em equipe entre médico e paciente para identificar, monitorar e tratar esses sintomas, muitas vezes angustiantes.
Informação
Folha de São Paulo