Pior que o soneto
Tradicionalmente, as emendas parlamentares ao Orçamento da União sempre foram um jeito de o Executivo manter o Legislativo sob sua dependência. A cada votação negociava-se uma liberação.
Quando passaram a ser impositivas houve uma primeira, e hoje vemos, ingênua impressão de que era uma boa maneira de frear a troca daqueles recursos por votos.
Ingenuidade, porque à época não se considerou a força do velho, e cínico, dito de quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é bobo ou não tem arte.
Quem faz as regras comanda o jogo, no caso o Congresso, que, com a conivência de ocasião do Planalto, foi mudando os ritos até chegar ao comando praticamente discricionário de R$ 50 bilhões do Orçamento.
A coisa tomou uma desproporção tal que a relação se inverteu e o Executivo tornou-se dependente do Legislativo, em outra agressão à independência dos Poderes. Fosse pouco, a dinâmica é obscura, infringe o princípio da transparência consignado no artigo 37 da Constituição.
É isso que o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República têm tentado explicar ao Congresso Nacional: o dinheiro público não pode ser utilizado como bem entendem suas altezas, sem que se saiba de onde vem a solicitação, para onde vão e no que serão aplicados os recursos.
A resposta do Parlamento beira o deboche: além de dizer que não tem “como colaborar”, pois não haveria meios de fornecer os dados pedidos, alude à existência de um suposto “direito adquirido” para seguir na transgressão.
E não são meras suspeitas. Está claro que as emendas vão para redutos de interesse dos parlamentares, apaniguados e até parentes, não necessariamente para localidades mais necessitadas.
Sendo tal instrumento duto de ligação direta entre o envio do dinheiro e a obtenção de vantagens eleitorais, temos aí mais uma forma de financiamento de campanhas, em uso abusivo da paciência do público.
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Folha de São Paulo