Polícia Civil de SP investiga revista e jornalista após reportagem sobre delegado

A Polícia Civil de São Paulo passou a investigar a revista Piauí e os jornalistas Allan de Abreu e Roberto Alexandre dos Santos após a publicação de uma reportagem de denúncia envolvendo o delegado Carlos Henrique Cotait.
O delegado, investigado pela Corregedoria da corporação sob suspeita de uso de serviços ilegais de hackers numa operação policial, foi afastado do posto em 29 de agosto de 2024, por ordem do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite.
A revista tratou da relação entre Cotait, na época à frente do Deic (Divisão Especializada de Investigações Criminais) de Araçatuba (SP), e o hacker Patrick César da Silva Brito em reportagem de fevereiro de 2023.
Segundo a apuração, Brito investigava os alvos da Operação Raio X por meio da invasão de computadores, celulares e contas em redes sociais, a mando do delegado e de sua equipe.
Em dezembro de 2022, um delegado da Polícia Civil chegou a pedir à Justiça a proibição da publicação da reportagem, alegando se tratar de uma fake news contada pelo hacker. O pedido foi negado.
Ainda segundo a Piauí, dois investigadores do Deic subordinados a Cotait começaram a investigar a revista dois meses depois da publicação da reportagem, no âmbito de um inquérito sobre o hacker.
Além de dados públicos sobre a Editora Alvinegra, que publica a revista, o relatório teria dados pessoais do jornalista Allan de Abreu, como CPF, filiação e endereço residencial. O inquérito foi dado como concluído e enviado à Justiça Federal em outubro do ano passado até que, em 19 de maio, o Ministério Público Federal solicitou o retorno da investigação à Justiça estadual.
Segundo a Piauí, a investigação envolve ainda um jornalista freelancer, Roberto Alexandre dos Santos, que colaborou com a reportagem com apurações em Araçatuba.
De acordo com a revista, o jornalista abriu mão de assinar o material para evitar perseguição, mas Cotait descobriu que ele havia participado da reportagem.
Uma semana depois do afastamento do delegado, a Polícia Civil cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa de Santos. A Piauí diz que o conteúdo de um celular apreendido foi usado como pretexto para obter o mandado.
No aparelho, que pertencia a Igor Antonio Venâncio, integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital), havia uma conversa com o jornalista na qual Venâncio falava sobre o fretamento de um ônibus que levaria mulheres de presos para uma manifestação em Brasília.
No mês anterior, o integrante do PCC havia incumbido um líder comunitário a procurar empresários da cidade que pudessem arcar com o fretamento, e essa liderança conhecia Santos e passou seu contato. Venâncio passou a pressionar o jornalista a bancar o aluguel dos ônibus. Santos disse à Piauí que não pagou.
Na busca na casa de Santos, foram apreendidos celular e notebook do freelancer. Também foram encontradas conversas do jornalista com o hacker sobre a repercussão da reportagem e um arquivo com cópia do texto, ainda em fase de edição. A partir dai, o investigador Paulo Henrique Ianella concluiu que a matéria tinha três autores: Santos, o hacker e um policial, Edison Luís Rodrigues, desafeto de Cotait.
Ele construiu um organograma, no qual aparece também o diretor de redação da Piauí, André Petry. Com base no relatório, o delegado José Luís Silva Abonizio instaurou um inquérito contra Santos por crime de obstrução de Justiça.
Em 7 de abril, Allan de Abreu recebeu uma intimação. Por orientação do advogado, ele se recusou a depor.
O advogado Luis Francisco Carvalho Filho, responsável pela defesa da Piauí, afirmou que o inquérito é “um flagrante e inusitado ataque à liberdade de informação jornalística”. Ele criticou a “instrumentalização ardilosa do poder policial que tenta transformar reportagem jornalística em delito de obstrução de justiça”.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também criticou o que chamou do uso de cargos da polícia para intimidar jornalistas.
A assessoria de imprensa da SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo confirmou em nota que o inquérito policial instaurado pela Divisão Especializada de Investigações Criminais de Araçatuba investiga os jornalistas Allan de Abreu e Roberto Alexandre dos Santos com apoio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo.
“A SSP reforça que não compactua com qualquer forma de abuso de autoridade e reafirma seu compromisso com a liberdade de imprensa, os direitos constitucionais —incluindo o sigilo de fonte— e a transparência dos procedimentos legais.” O órgão não respondeu qual a motivação para incluí-los nas investigações nem se o delegado Cotait tem alguma relação com os pedidos de investigação.
Nesta sexta (6), a Polícia Civil de São Paulo abriu um inquérito contra um jornalista do portal Metrópoles após a publicação de uma reportagem sobre as movimentações financeiras de um delegado do Deic de São Paulo. A investigação foi classificada como “tentativa de censura” e criação de um “ambiente intimidatório” por órgãos de defesa da liberdade de imprensa, como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).
O delegado em questão, Fábio Pinheiro Lopes, ex-diretor do Deic, foi um dos policiais citados nas delações de Vinícius Gritzbach, acusado de lavagem de dinheiro para o PCC, morto em novembro do ano passado no aeroporto de Guarulhos.
Folha de São Paulo