Alexandre Ramagem (PL-RJ), então chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), omitiu da PGR (Procuradoria-Geral da República), em 2020, a existência de um áudio sobre a reunião com a defesa de Flávio Bolsonaro e o então presidente, Jair Bolsonaro (PL), para discutir estratégias no caso das rachadinhas.
O que aconteceu
PGR havia apurado suspeitas em 2020 sobre uso da Abin para auxiliar defesa de Flávio. Procedimento foi aberto após reportagens na imprensa revelarem a existência de um relatório feito pela agência com orientações para as advogadas que representavam o senador na investigação sobre suspeita de rachadinhas no gabinete dele quando foi deputado estadual no Rio. Operação da PF na semana passada investiga o mesmo uso dessa “Abin paralela”.
Ex-diretor da Abin deve depor à PF sobre o episódio na próxima quarta (17). A PF achou áudio gravado da reunião ocorrida em agosto daquele ano. Os textos à época já citavam o encontro.
Após conteúdo ter o sigilo retirado nesta segunda-feira (15), Ramagem se defendeu. Afirmou que gravou o encontro com autorização de Bolsonaro, porque havia recebido a informação de que uma pessoa que seria enviada pelo então governador do Rio, Wilson Witzel, faria “uma proposta nada republicana”.
O parlamentar registraria um crime em flagrante. Como a suspeita não se comprovou, nem houve participação de nenhum enviado de Witzel, a gravação foi descartada.
Sem explicações por não enviar o áudio à PGR. Procurada nesta segunda, a assessoria de Ramagem não respondeu sobre o porquê de não ter enviado a gravação à PGR, em 2020. O procurador-geral Augusto Aras pediu explicações por escrito a Ramagem, a Augusto Heleno, então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), ao veículo que deu a primeira reportagem sobre o caso e a advogadas de Flávio.
Em nenhum momento, Ramagem mencionou que possuía um áudio do encontro. Em 18 de dezembro de 2020, Ramagem respondeu que a reunião teria sido para tratar da segurança da família presidencial, uma das atribuições do GSI, ao qual a Abin estava submetida, e apresentou uma versão que bate de frente com a da investigação.
” A reunião provocada pela defesa do senador ocorreu para apresentação de denúncia de ocorrência de eventual violação de segurança institucional em relação a membro da família presidencial, que configura competência atribuída ao GSI, por meio do Art. 10 da Lei nº 13.502, de 01 de novembro de 2017, suspeita esta que, posteriormente, não foi confirmada.”
– Trecho do ofício de Alexandre Ramagem à PGR, em 2020
“Nesse sendo, após a reunião, e diante da ausência de qualquer elemento que justificasse a atuação, nenhuma providência foi adotada, não houve trâmite na Abin e nem foi produzido qualquer documento em razão dela. Constatou-se que se tratava de assunto já judicializado, e submetido à Corregedoria da Receita Federal, sem que estivesse configurado campo para atuação do GSI ou da Abin.”
-Trecho do ofício de Alexandre Ramagem à PGR, em 2020.
Heleno também não fala de áudio
A PGR arquivou o caso em fevereiro de 2022. Na época, a Procuradoria-Geral da República havia instaurado sob sigilo uma Notícia de Fato, uma espécie de procedimento preliminar de apuração que se limitou a solicitar informações dos nomes citados na imprensa e que não foi compartilhado com nenhum outro órgão de investigação nem com o STF (Supremo Tribunal Federal).
Augusto Heleno também não mencionou áudio ao apresentar sua versão da reunião. Relato dele foi revelado pelo UOL no domingo (14). Na época, ele era o ministro do GSI, pasta à qual a Abin estava subordinada.
Polícia Federal abriu nova investigação. Inquérito foi aberto com autorização do STF no ano passado para apurar, inicialmente, o uso ilegal do software First Mile, que é utilizado para rastrear em tempo real aparelhos celulares.
Quatro operações já foram deflagradas. Policiais identificaram a atuação de auxiliares diretos de Ramagem na Abin que abasteciam influenciadores digitais e integrantes do “gabinete do ódio” com conteúdos para espalhar fake news contra opositores do governo Bolsonaro.
PF achou áudio de reunião para blindar Flávio. Conversas mostram que Ramagem, de fato, discutiu estratégia jurídica com advogadas que queriam insistir na tese de perseguição da Receita contra Flávio.
Bolsonaro ofereceu contato com chefe da Receita. Ele também ficou de conversar com chefe do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) para “resolver o assunto”. Na prática, o conteúdo indica que o então presidente da República teria utilizado de seu cargo para auxiliar defesa de filho mais velho.
Ramagem negou uso da Abin em sindicância interna
Ramagem também depôs em sindicância interna da Abin, em 2021. Ele negou que funcionários da Abin tivessem produzido relatório para auxiliar Flávio Bolsonaro e disse que seu então auxiliar Marcelo Bormevet não teria feito nenhum documento para auxiliar Flávio Bolsonaro ou suas advogadas.
“Tenho ciência de que o servidor Marcelo Bormevet não conhece pessoalmente nem tem contato com o senador Flávio Bolsonaro, nem tampouco com as advogadas. Que não há possibilidade do servidor Marcelo Bormevet ter elaborado qualquer documento para o senador Flávio Bolsonaro ou para as advogadas. Que inclusive as suas atribuições são relacionadas à coordenação de pesquisas para nomeações e em apoio à produção de conhecimento para os setores da Abin, quando demandado.”
-Trecho de depoimento de Ramagem à sindicância interna da Abin.
Marcelo Bormevet foi preso pela Polícia Federal na semana passada. Na contramão do que alegou Ramagem em 2021, as investigações encontraram conversas de WhatsApp de Bormevet com um outro funcionário da Abin sobre “levantar podres e relações políticas” dos auditores da Receita que fizeram relatório que apontou movimentação financeira atípica do senador Flávio Bolsonaro.
Senador chegou a ser denunciado. Mas a investigação acabou sendo anulada em 2021 pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Foi a partir das suspeitas iniciais de um esquema de rachadinha no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual levantadas pelos auditores que a polícia e o Ministério Público do Rio de Janeiro passaram a investigar o filho de Bolsonaro.
Flávio Bolsonaro negou irregularidades na reunião. “O áudio mostra apenas minhas advogadas comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal e com objetivo de prejudicar a mim e a minha família. A partir dessas suspeitas, tomamos as medidas legais cabíveis”, afirmou o senador em nota ontem.
Advogada se defende. A advogada Luciana Pires disse que sua “atuação no episódio se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico”. O advogado de Heleno, Matheus Milanez, disse que não iria se manifestar.
Fonte: UOL