Remédio mais caro do mundo não chegou ao SUS mesmo após incorporação
Apesar do anúncio de inclusão do medicamento Zolgensma no SUS (Sistema Único de Saúde) em dezembro de 2022, o tratamento ainda segue indisponível aos pacientes com Atrofia Muscular Espinhal Tipo 1 e suas famílias.
A doença atinge 1 a cada 10 mil nascidos vivos. Ela é causada pela ausência ou mutação no Gene de Sobrevivência do Neurônio Motor 1 (SMN1, na sigla em inglês), que leva à produção insuficiente da proteína SMN, o que causa a morte dos neurônios motores responsáveis pelas funções musculares, como respirar, engolir, falar, sentar e andar.
O Tipo 1 é a principal causa da morte de bebês, e os primeiros sinais se manifestam até o sexto mês de vida. Quanto mais cedo se iniciam os sintomas, mais graves são as manifestações clínicas.
A doença é diagnosticada por meio do teste do pezinho ou teste genético ainda durante a gravidez. O exame também pode ser feito pelos futuros pais antes da gestação para checar a possibilidade de o filho desenvolver a doença.
De acordo com o Ministério da Saúde, a terapia deveria estar disponível no SUS em até 180 dias após a assinatura do acordo de intenções. O medicamento, que tem preço de fábrica de R$ 7,8 milhões e é tido como o remédio mais caro do mundo, terá o preço máximo de venda ao governo estabelecido em R$ 6,2 milhões.
A disponibilização do fármaco está travada devido a falta de assinatura da minuta do Acordo de Compartilhamento de Risco, feito em razão das incertezas em relação ao custo-benefício da incorporação do fármaco, fazendo com que a pasta e a farmacêutica sejam corresponsáveis, e visando o equilíbrio entre o preço e o valor terapêutico.
Quando assinado, o acordo comercial será o primeiro que envolve o pagamento de um tratamento após monitoramento individual do paciente.
De acordo com a Novartis Brasil, fabricante da terapia, foram realizadas quatro reuniões com o Ministério da Saúde desde a recomendação positiva de incorporação, com a submissão de duas propostas de minuta.
Mario Marchesi, diretor de terapia gênica da farmacêutica, diz que a primeira versão da minuta foi encaminhada por e-mail, conforme orientação da pasta, em outubro de 2023. Sem retorno, a companhia solicitou uma reunião entre as partes, realizada em janeiro de 2024.
“A proposta, para tentar antecipar esse processo, voltou com poucos comentários e devolvemos para eles uma segunda minuta contratual, em fevereiro de 2024”, diz Marchesi.
A Novartis afirma que, até o momento, não houve devolutiva por parte do Ministério da Saúde.
Em nota, a pasta afirma que a atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para inclusão do medicamento teve recomendação final de aprovação pela Conitec em dezembro de 2023.
A pasta diz dar prioridade ao tema e afirma que está avançando na construção dos termos para formalização do acordo. As propostas estão sendo avaliadas quanto à viabilidade e coerência, diz.
Hoje, os medicamentos nusinersena (vendido sob o nome comercial Spinraza) e risdiplam, ambos de uso contínuo, são os únicos disponíveis no SUS para o tratamento da doença. O diferencial do Zolgensma é que trata-se de uma infusão que só precisa ser usada uma vez na vida.
“É uma terapia gênica, ou seja, você dá ele uma única vez e o corpo volta a produzir enzima. Por isso é muito importante ter o diagnóstico o quanto antes. Pois a mobilidade perdida não pode ser recuperada posteriormente”, explica Marchesi.
A janela de tempo para o recebimento do medicamento é curta: segundo a bula, crianças de até dois anos podem ter acesso. Mas, pelas regras do SUS, deve ser usado até os seis meses de idade.
Com o atraso da disponibilidade do medicamento, crianças aguardam o tratamento enquanto ocorre o avanço da doença. A demora no caso de Ana Flora, que tem hoje cinco meses, fará com que ela perca a janela para ter acesso ao medicamento pelo SUS.
A mãe Cláudia Silvestre Silva, que tem outra filha com a doença, está tentando conseguir o Zolgensma para a caçula na Justiça. “Eu estou esperando, estou confiante de que vai dar tudo certo. Que o remédio chegue logo aqui no Ceará, porque aqui tem médicos preparados para poder fazer todo o processo”, diz ela.
A doença é neurogenética grave e exige urgência no tratamento.
Os diagnósticos das filhas de Cláudia ocorreram em momentos diferentes, o que mudou o curso da doença. Enquanto a atrofia foi diagnosticada na primogênita Ana Bella aos seis meses de vida, a notícia de que a caçula também teria a condição se deu ainda no ventre, quando a mãe, sabendo da possibilidade de a menina carregar a mutação, fez um teste genético.
Assim, Ana Flora iniciou em tempo ideal o tratamento com o medicamento Spinraza e está se desenvolvendo plenamente.
“A Bella desde quando nasceu sempre foi molinha. Ela tinha os movimentos, mas sempre foram limitados”, diz a mãe.
Segundo Erlane Ribeiro, médica geneticista da SBTeim (Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo), o tratamento deve ser iniciado antes de um mês de idade.
“Por isso o teste do pezinho é fundamental. Lembrando que não é só a terapia que deve ser recebida pelo paciente, mas também a fisioterapia, que falta para maioria dos brasileiros”, afirma.
Informação
Folha de São Paulo