Política

Reportagem não pode ser equiparada a discurso de ódio citado por Moraes, dizem especialistas

Especialistas ouvidos pela Folha criticaram a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes que mandou retirar do ar, nesta terça-feira (18), dois vídeos e dois textos jornalísticos com declarações de Jullyene Lins, ex-mulher do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de que teria sido agredida pelo parlamentar.

Segundo professores de direito ouvidos pelo jornal, o material jornalístico não pode ser equiparado a discurso de ódio.

Em sua decisão, Moraes justificou a medida sob o argumento de que “se torna necessária, adequada e urgente a interrupção de propagação dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática mediante bloqueio de contas em redes sociais, com objetivo de interromper a lesão ou ameaça a direito”.

A medida atendeu a um pedido feito pela defesa de Lira e abrange vídeo de uma entrevista feita pela Folha em 2021 com Jullyene, outro da Mídia Ninja, uma reportagem do portal Terra e outra do Brasil de Fato sobre o caso.

Na entrevista à Folha, feita em Alagoas em 2021, a ex-mulher de Lira disse que o parlamentar, então candidato à presidência da Câmara, a agrediu fisicamente e depois a ameaçou para que mudasse o seu depoimento em um processo. Após esse recuo, Lira foi absolvido em 2015 de acusação de agressão a ela, que teria ocorrido em 2006.

A decisão de Moraes tem o mesmo teor de outras determinações suas voltadas a perfis de influenciadores bolsonaristas.

O ministro afirmou na decisão desta terça que não é permitida “a utilização da liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas”.

Além disso, escreveu que “não há, no ordenamento jurídico, direito absoluto à liberdade de expressão” e que “não há direito no abuso de direito”.

Para o professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, “nesse caso, não há ódio contra uma minoria, contra uma etnia, contra um gênero, ou contra uma pessoa em razão da sua orientação sexual, ou seja, por uma categoria protegida pelo direito”. “O que ocorre é um conflito de natureza pessoal que deve ser resolvido no âmbito da defesa da honra.”

Segundo Serrano, “a honra precisa ser protegida, mas ela é protegida de forma repressiva, não de forma a suspender notícias, porque, senão, você, na verdade, vai colocar o Judiciário como um censurador da imprensa, e esse não é o papel dele”.

“Lira, por exemplo, tem apoiado um projeto que criminaliza, com pena de homicídio, a mulher que foi estuprada, que quer interromper a gravidez. Se ele tem algum episódio de violência contra a mulher no passado dele, é lícito a cidadania saber, porque ele está promovendo um projeto que vai interferir na vida de todo mundo”, completou.

Ivar Hartmann, professor de direito do Insper, avalia que a reportagem da Folha “claramente não é discurso de ódio, isso é bem evidente”. “Tenho dificuldade de imaginar um conceito de discurso de ódio para conseguir enquadrar essa entrevista feita pela Folha que está sendo derrubada.”

Para o professor, a decisão de Moraes é muito genérica e contraria julgamento anterior do próprio STF, realizado em 2016, sobre biografias não autorizadas.

“Em 2016, o plenário do tribunal decidiu, no caso das biografias não autorizadas, que o que o Judiciário pode fazer é determinar indenização posterior quando há um excesso da liberdade de expressão, quando há um caso em que a liberdade de expressão está restringindo indevidamente um outro direito”, disse.

Já para Carolina Cyrillo, professora de direito constitucional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a medida de Moraes não configurou censura.

“O que está em jogo na discussão não é censura, porque, se a reportagem foi publicada e estava no ar desde 2021, ela não foi censurada, foi plenamente exercido o direito de manifestação jornalístico”, diz.

Segundo a especialista, a decisão de Moraes, “atendeu de forma preliminar um pedido para que seja preservado o direito à imagem e à honra” de Lira.

Folha de São Paulo

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