Seu Jorge revive trauma de infância cruel e especialista alerta: ‘Marcas profundas’

Em entrevista à CARAS Brasil, a psicoterapeuta Pollyanna Esteves explica por que trauma cruel de Seu Jorge não desaparece
Durante participação no quadro Pode Perguntar?, do Fantástico, o cantor Seu Jorge emocionou ao relatar um episódio marcante de sua infância: um ato explícito de racismo vivido ainda criança. Ao tentar entrar na festa de uma vizinha, junto com seus irmãos, ouviu da aniversariante uma frase cruel: “Preto não entra na minha festa”.
Décadas se passaram, mas o artista confessa que não consegue esquecer. O motivo? Segundo ele, foi a reação de seu irmão caçula que mais o marcou: “Ele não entendeu o que estava acontecendo. Pra mim, foi o primeiro grande contato com o racismo”. Mas por que esse tipo de experiência fica gravada de forma tão profunda?
A CARAS Brasil conversou com a psicoterapeuta Pollyanna Esteves, que esclareceu por que esse tipo de dor não desaparece com o tempo.
“Na infância, nosso cérebro, especialmente até os sete anos, é muito maleável. É nesse período que formamos nosso senso de identidade e referências que levaremos para a vida adulta. Ao nascer, não sabemos o que é bonito ou feio, certo ou errado; essas percepções são construídas no inconsciente. Essa construção se torna nosso GPS, nossa bússola para o resto da vida”, explica.
Segundo ela, a formação da identidade é moldada pelo que ouvimos, vemos e vivemos. “Os condicionamentos infantis são moldados por três fatores: o que escutamos, os exemplos que vemos e as experiências que vivenciamos”.
A especialista ainda explica: “O trauma de infância é marcante porque registra um dos pilares da nossa identidade: ‘Quem eu sou no mundo e como eu me vejo’. Dependendo do que ouvimos, vivemos e observamos, construímos nossa percepção de realidade”.
Ela faz um paralelo com frases que muitas crianças ouvem: “‘Você é burro’, ‘Você nunca vai conseguir nada’. Essas falas se tornam crenças limitantes, que a criança internaliza como verdade. Assim como ela acredita no Papai Noel, ela também acredita no que dizem sobre ela – e quando essas palavras vêm acompanhadas de experiências traumáticas, como a vivida por Seu Jorge, a marca é ainda mais profunda”.
O trauma afeta outras áreas da vida?
Esteves garante que um trauma tão marcante como esse pode afetar diversas áreas da vida da vítima: “Quando uma criança escuta ‘Na minha festa, preto não entra’, ela não compreende que o problema está no outro. Ela entende: ‘Eu sou o problema. Eu não mereço. Tem algo errado comigo'”.
Mesmo com o sucesso e o reconhecimento que vieram anos depois, Seu Jorge não se vê livre do que sentiu naquela tarde: rejeição, culpa e impotência: “Essa sensação de exclusão se torna uma lente pela qual ela enxerga o mundo – e pode gerar, mais tarde, insegurança, sentimentos de inferioridade, e até a síndrome do impostor”
É possível curar esse tipo de trauma?
Segundo a especialista, sim, mas não é algo que se resolva apenas com racionalização: “É possível curar esse trauma, como qualquer outro, mas isso requer uma terapia que acesse o inconsciente. Conscientemente, ele entende que a mulher era racista. Mas a criança que ele foi não entendeu isso na época, e é ela que carrega a dor”.
“Outro ponto é a impotência sentida naquele momento. Ele levou os irmãos, e teve que voltar para casa com eles, sem entenderem o que tinham feito de errado. Isso deixa marcas profundas de desamparo. É preciso trabalhar essa memória com técnicas terapêuticas que atuem no corpo e no inconsciente”, aponta.
Ela finaliza com um alerta importante: “Há um livro que diz ‘O corpo guarda as marcas’. O trauma fica registrado não só na mente, mas também no corpo. Por isso, precisamos de abordagens somáticas, que ajudem a liberar essa energia acumulada. Só assim evitamos que gatilhos futuros tragam à tona a mesma dor”.
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