Economia

Surpresas na evolução da dívida requerem ajuste maior e mais rápido

O pacote de ajustes recentemente anunciado se mostrou insuficiente para assegurar a percepção de sustentabilidade do arcabouço fiscal. Isso ocorreu apesar de a proposta contar com medidas que melhoram a qualidade do gasto. Se, de um lado, o aperfeiçoamento nas regras de diversas políticas traz ganhos de eficiência que fomentam o crescimento e economizam recursos, de outro, não foram capazes de endereçar de forma satisfatória a velocidade e a magnitude do ajuste que é hoje necessário.

A revisão das regras do abono ilustra bem essa questão. Reduzir o acesso ao abono salarial é uma mudança bem-vinda, já que essa política falha sob a ótica redistributiva e não incide sobre os mais pobres. Mas, no espectro das possibilidades, a reformulação proposta foi bastante modesta —com redução no critério de eligibilidade de 2 para 1,5 salário mínimo— e ajustes graduais que alcançam o novo critério apenas em 2034. Ou seja, uma economia pequena a ser vista daqui a dez anos.

O que mudou, desde 2023, quando o novo arcabouço fiscal foi proposto, para que o senso de urgência se sobrepusesse aos ganhos de ajustes mais graduais? Em pouco menos de um ano, a expectativa sobre a evolução da dívida pública sob o novo arcabouço fiscal se frustrou. Assim, o ajuste fiscal necessário hoje precisa ser muito maior e muito mais rápido do que se pensava no ano passado.

Isso acontece porque o limite no crescimento das despesas em 2,5% não está sendo capaz de dar previsibilidade ao crescimento da dívida. Diversas despesas continuam crescendo em velocidade maior que o limite estabelecido. E inúmeras outras ficaram de fora do resultado primário que é considerado no arcabouço. Não há garantias de que as metas de primário não sejam revistas no futuro, como foi feito neste ano.

Como resultado, a dívida aumentou consideravelmente, acima das expectativas do próprio governo quando o novo arcabouço fiscal foi proposto. Essa surpresa mostra que não evoluímos conforme esperado, o que por si só já deveria levar a um conjunto de regras muito mais restritas que as atuais.

Entretanto, o futuro é ainda mais importante que o passado na avaliação das regras fiscais. Será que veremos estabilidade do endividamento público, ainda que muitos anos à frente? É claro que, para projetarmos a evolução da dívida, algumas hipóteses são necessárias, muitas das quais não conhecemos, como quais serão o crescimento e os juros da economia no futuro.

Quando o arcabouço foi estabelecido, existia a expectativa de condições mais favoráveis: acreditava-se na rápida convergência da inflação para a meta e para uma taxa de juros nominal em torno de 7% a 8%. Mas a realidade para 2025 mostra-se bastante distinta, com inflação em torno de 5% e taxa de juros nominal em torno de 14% a 15%. E ainda há incertezas sobre a continuidade de crescimento da economia na ausência de todos os estímulos fiscais que foram praticados nos últimos dois anos, o que dificulta ainda mais a estabilização da dívida.

A diferença entre o que o arcabouço deveria gerar e o que observamos nos indicadores da economia mostra que o ajuste fiscal é mais urgente do que se imaginava. Adiar apenas aumenta o custo de um ajuste que precisa acontecer.

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Folha de São Paulo

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