Tetris completa 40 anos: como a ideia de um programador soviético conquistou o mundo
Quarenta anos atrás, um jovem pesquisador soviético criou um jogo de computador diferente de qualquer outro.
Em 1984, Alexey Pajitnov, entediado com seu trabalho no centro de informática de um instituto de ciências em Moscou, encontrou um novo uso para suas habilidades matemáticas: ele criou um videogame.
O primeiro protótipo do jogo para o computador de fabricação soviética “Elektronika 60 foi lançado em 6 de junho de 1984.
“Assim que o primeiro protótipo [começou] a ser criado, todos ficaram muito curiosos e pediram para experimentar”, contou Pajitnov ao podcast Witness History, da BBC, em 2011.
“Todo mundo experimentou o jogo e adorou, inclusive eu.”
Inspiração no pentaminó
Este foi o início do Tetris —um jogo brilhantemente simples, mas ainda assim cativante, destinado a dominar o mundo com a sua popularidade.
A ideia foi baseada em um clássico jogo de pentominó, em que figuras geométricas angulares de formas estranhas precisam ser ajustadas com precisão entre si para criar uma forma contínua e sem espaços.
Tetris usa uma ideia muito semelhante: o jogador deve colocar formas geométricas que estão caindo, compostas por quatro quadrados cada (também chamadas de “tetraminós”), em uma caixa vertical para que formem linhas sólidas, de ponta a ponta.
A quase total ausência de computadores pessoais na União Soviética não foi um obstáculo à difusão deste jogo.
Ele foi copiado de uma máquina para outra, passando entre os poucos usuários de computadores em todo o país.
A história de como o Tetris atravessou a Cortina de Ferro vale seu próprio romance de espionagem.
Interesse mundial
Um fabricante britânico esbarrou com o jogo na Hungria e decidiu negociar os direitos de distribuição com o governo russo.
Em pouco tempo, o Tetris tinha conquistado europeus e norte-americanos.
A indústria avançou rapidamente e, no final da década de 1980, surgiu uma nova maneira de jogar: os consoles portáteis como o Gameboy.
Em 1989, o designer Henk Rogers trabalhava para uma empresa japonesa quando percebeu um potencial maior para o jogo soviético.
Então, ele decidiu transferi-lo de computadores grandes para dispositivos portáteis.
Mas, para fazer isso, ele precisava obter os direitos de distribuição de seu criador.
Em busca do pai de Tetris, Rogers foi a Moscou.
Era uma época em que as relações entre a União Soviética e o Ocidente estavam começando a aquecer após décadas de Guerra Fria.
A busca pela Elektronorgtechnica
A princípio, Moscou em fevereiro causou uma impressão ruim em Rogers.
O céu estava cinzento e a TV e o rádio do hotel não funcionavam.
“Ninguém podia me dar qualquer informação”, relata.
Rogers procurava o escritório da Elektronorgtechnica, ou Elorg, uma agência soviética que importava e exportava hardware e software.
Ele contratou uma intérprete, que também era sua motorista.
Uma tarde, ela o levou à Elorg, mas recusou-se a entrar com Rogers, “porque não foi convidada”.
Juntando coragem, ele entrou sozinho.
Ele conseguiu explicar de alguma forma que estava querendo comprar os direitos do Tetris, o que imediatamente causou alvoroço em todo o prédio.
Ele foi apresentado a Alexey Pajitnov junto com outras oito pessoas, “incluindo agentes da KGB [a polícia secreta soviética] e Deus sabe quem”.
Rogers foi interrogado por horas, ele conta.
“Eles queriam saber se eu realmente estava no ramo de jogos de computador”, lembra.
‘O que são direitos de propriedade intelectual?’
Os burocratas soviéticos tentavam entender o conceito ocidental de propriedade intelectual e da indústria de jogos —coisas que, naquele momento, lhes eram estranhas.
Mas apesar da desconfiança mútua inicial, a persistência de Rogers conseguiu conquistá-los.
“Eu havia conhecido alguns empresários antes. Mas eles não me impressionaram nem um pouco, porque pareciam mais vigaristas do que empresários. Então, fiquei muito impressionado com Henk, porque ele realmente entendeu a essência do jogo”, disse Pajitnov à BBC em 2011.
Após uma semana de negociações, Rogers e Pajitnov assinaram um contrato que, sem precedentes, garantiu ao programador soviético uma participação em todas as vendas de Tetris no exterior.
“Eles ficaram surpresos”, explicou Rogers.
“Eles nunca tinham visto um contrato com coisas como, se não houver pagamento em dia, haverá uma penalidade. Quero dizer, isso meio que os conquistou.”
Rogers atribui a popularidade do Tetris à sua jogabilidade única.
Ao contrário da maioria dos games, baseados na violência e na destruição, Tetris oferecia aos jogadores a oportunidade de se envolverem na construção.
E esta, segundo Rogers, é uma atividade muito mais interessante, pois atende a algumas fontes básicas de prazer do ser humano.
“As pessoas querem construir algo e sentem-se muito bem depois de o fazerem”.
Mais de um bilhão de jogadores
Até hoje, de acordo com as estimativas mais conservadoras, o Tetris já teve pelo menos um bilhão de usuários que ao menos uma vez na vida tentaram empilhar formas multicoloridas em queda.
Embora nos primeiros anos receber royalties não tenha sido tão fácil para Pajitnov, ele começou a recebê-los quando se mudou para os Estados Unidos em meados da década de 1990 e abriu uma empresa com Rogers.
Hoje, Pajitnov mora em Washington e é uma das pessoas mais ricas e famosas do mundo dos videogames.
Texto originalmente publicado neste link.
Folha de São Paulo>