Saúde

Viciado em drama: quando qualquer problema vira uma tempestade emocional

Durante quase toda a minha vida, eu supunha que coisas ruins simplesmente acontecessem comigo. Tudo parecia nunca dar certo. Meus dias eram como uma sequência constante de términos, traições, decepções e perdas. Eu estava sempre dizendo: “Essa é a história da minha vida”.

Por mais que ninguém me chamasse de “dramático” na minha cara, Deus sabe que era o que todos pensavam. E, para ser sincero… eles estavam certos. Eu achava que o drama simplesmente sabia onde me encontrar. Achava que era normal precisar de situações intensas e exercícios de alto impacto para encontrar um único momento de calmaria e descanso.

Mas, na realidade, eu estava em busca de frenesis emocionais, criando conflitos e embates, e inventando drama em cada oportunidade. As pessoas talvez imaginassem que fosse para chamar atenção, mas, conforme percebi, a verdade é que o drama era minha forma de sobrevivência.

Cheguei ao mundo com o pé na porta, quebrando duas costelas da minha mãe e deixando-a hospitalizada durante meses. Gerações de abuso e vício em álcool, drogas e jogo determinaram uma infância caótica, em que tapas eram distribuídos tão livremente quanto abraços. O ambiente instável alternava entre carinho e caos, e eu passei a esperar o inesperado. O amor era demonstrado através de humor subversivo.

Amar e ser amado significava ser engraçado e divertido, e eu aprendi a atuar para todos verem. Passei a infância desconectado do meu corpo — eu me refiro a mim mesmo naqueles anos como o fantasma vagante —, em busca de momentos em que sentia ser aceitável voltar para meu centro. Esses momentos eram distantes e escassos.

Na escola, eu sofria bullying tanto dos alunos quanto dos professores que não tinham paciência alguma para um jovem gay com grandes dificuldades de aprendizado. Em muitas tardes, eu ficava socado em um armário como um coitado de filme adolescente. Eu me sentia preso, sem ter para onde correr, e precisando fugir.

Portanto, aos 13 anos de idade, fingi meu próprio suicídio — organizei meticulosamente a cena: espalhei comprimidos pelo chão, arrumei com cuidado o quarto com a garrafa d’água a centímetros dos meus dedos e escrevi uma carta de despedida.

Queria punir meus pais, meus colegas da escola, meus professores por me causarem tanta dor e por não enxergarem tudo isso, por não me protegerem nem me ajudarem. Queria que alguém me resgatasse e me levasse embora de todo aquele caos e sofrimento.

Estava em busca de um profundo recomeço, como reiniciar um computador que ficou doido. Passei meses entrando e saindo do hospital. Toda vez que me mandavam para casa, eu inventava um jeito de ser readmitido. O hospital era um lugar de conforto para mim. Havia espaço para ser grandioso e expressivo (…)

Viciados em drama

O drama era tudo para mim. Depois da escola, eu até o transformei em profissão. Trabalhando como ator, diretor e coreógrafo profissional, estava sempre sob estresse. Meu trabalho era uma fonte constante de drama.

Ao mesmo tempo, conheci um parceiro que desencadeou toda a minha dor e disfunção profundamente enterradas e as trouxe para a superfície. Eu sempre achei que fosse bom lidando com o estresse — o que não percebi é que estava usando o estresse para prosperar. Minha tolerância para disfunção, crise e caos estava sendo levada ao limite, e logo ficou além da minha capacidade de administrar.

Comecei a desenvolver enxaquecas e ataques isquêmicos transitórios (AITs) devido ao estresse contínuo — e estava até perdendo a capacidade de coordenar meu corpo. Tentei terminar o relacionamento centenas de vezes, e, por mais que eu quisesse isso, havia uma força maior que me sugava de volta para ele.

Essa força — embora eu só tenha me dado conta disso muito depois — era minha fome, minha necessidade daquela interminável fonte de crise. Depois que meu até então parceiro terminou nosso relacionamento, eu me afastei completamente, tanto da minha carreira quanto da vida social. Isso foi seguido de problemas graves de saúde sem explicação (desmaios, apagões, ansiedade, depressão, compressão no peito, taquicardia e um hipotireoidismo espontâneo).

No início, achei que fosse meu corpo expurgando uma situação tóxica, mas logo ficou claro que esses sintomas intensos eram, na verdade, sinais de abstinência de estresse prolongado. Percebi que os sintomas eram aliviados por um breve período de tempo quando eu estava envolvido na crise de outra pessoa — ouvindo fofocas, assistindo a filmes de ação muito violentos ou falando sobre meu ex ou outras pessoas que tinham me feito mal. Eu
inventava conflitos com as pessoas ao meu redor.

Eu estava criando condições que hoje entendo como um aspecto do vício em drama: buscar sensações por meio do conflito e criar histórias que incitam uma carga emocional — que pareciam estranhamente reconfortantes pela familiaridade. Quando pequeno, minhas fugas eram sonhar acordado que eu compartilhava notícias terríveis que não eram necessariamente verdadeiras.

Imaginar o envolvimento de outras pessoas no drama me dava uma estranha satisfação, como se aquilo me acalmasse. Era como se, quanto pior fosse a situação, mais eu ia em busca de uma dose de drama, a ponto do meu corpo não aguentar.

Por fim, no ápice desse episódio, tive um problema cardíaco que resultou em uma semana hospitalizado. Essa crise finalmente abriu meus olhos, e eu entendi que algo precisava mudar. Nos meses após o problema cardíaco, comecei a meditar e praticar ioga todos os dias, a ler todo livro de autoajuda que chegava às minhas mãos, a reconhecer meu desejo pelo drama, e a viver o desconforto de não ceder a essas vontades.

Isso foi extremamente difícil. Nunca percebi como eu era criativo nas infinitas formas de me distrair criando drama. Perdi a conta de quantas vezes por dia eu me via tentando agitar as coisas, e precisava me convencer a parar com isso. Também era um tédio. Era como tirar o açúcar e a pimenta da comida, ou o sal da pipoca no cinema. Tudo ficava insosso.

Quando o tempero da minha vida — o drama — foi eliminado, todo o restante ficou sem graça e chato. Depois de passar meses na monotonia perigosa de espaço e calma, consegui desenterrar o trauma histórico que aparentemente havia sido protegido pelo padrão de drama que eu criava ou no
qual me inseria com frequência.

Ao resistir ao ímpeto do drama e processar o trauma por trás dele, as coisas começaram a mudar. Comecei a me abrir para uma vida emocional mais rica e mais multidimensional. A melhor forma que consigo descrever é acordar lentamente e me sentir mais presente e responsivo. Eu me senti vivo de um jeito diferente daquele frenesi que sentia na montanha-russa emocional de uma crise. Fiquei chocado com a sutileza e rapidez com que as
emoções podiam circular pelo meu corpo — comparado a quando eu intensificava cada sensação e me apegava a cada emoção, recusando-me a abandoná-las conforme elas iam se acumulando uma sobre a outra.

Pela primeira vez, não senti que a vida estava constantemente dando errado, e, se algo não dava certo, não era um problema. Naquela época, eu estava preocupado que meus amigos não me achassem mais interessante (ou que meu terapeuta me achasse chato). Mas a verdade é que isso não importava, pois algo mais saudável estava emergindo.

Nessa jornada de entrar em contato com o passado e as formas como eu administrei a vida para lidar com ela, acessei um profundo senso de identidade. Desenvolvi a capacidade de me relacionar com outras pessoas sem precisar usar o drama para me conectar a elas. Os conflitos não soavam mais como uma paixão, e, quando as coisas pareciam boas, isso não significava mais que algo ruim estivesse prestes a acontecer.

Após a poeira baixar e o desejo de agitar as coisas de novo se tornar menos frequente, comecei a procurar livros e artigos que falassem dessa dependência do caos e da crise. Fiquei impressionado que, apesar da banalidade do uso do termo viciado em drama, não houvesse ciência sobre o assunto, nenhum programa (de doze passos ou algo do gênero) e nenhum livro para guiar as pessoas pelo entendimento do que significa ser viciado em drama, de como isso surge e de como lidar com a questão — não só para aqueles viciados em drama, mas também para as pessoas ao seu redor.

Decidi naquele instante que eu me dedicaria a encontrar essas informações, a pesquisar e a preencher essas lacunas entre a experiência em primeira mão de um vício em drama e a ciência e a psicologia contidas nele. Minha esperança é que este livro forneça um entendimento mais profundo e um caminho em direção à cura do vício em drama, e um jeito de ajudar aqueles que estão em um relacionamento com alguém que sofre com isso.

* Scott Lyons é psicólogo e educador especialista em traumas. É autor de Viciados em Drama, recém-publicado pela Editora Rocco

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