Saúde

O álcool une familiares e amigos em torno do doente, mas cansa

Meus pais se separaram quando eu tinha 17 anos. Não foi um processo tranquilo e por isso eles não se falaram durante muito tempo. A primeira vez que meu pai encontrou minha mãe para um café foi quando fui internada pela primeira vez, aos 32 anos. Não quero entrar nas razões deles, da separação, e sim comentar o reencontro que provoquei e que seria praticamente impossível em condições normais.

Cada vez mais vejo filmes e séries que falam do assunto. Na Globoplay há uma série impecável: “Onde está Meu Coração”. A filha, protagonizada pela Letícia Colin, dá um baile em seus familiares, amigos e colegas de trabalho. A personagem é uma médica que se perde nas drogas. Vai para clínicas, para as ruas, e os familiares sofrem. Lembrei-me de quando fugia dos olhos de todos para usar a bebida e ficava horas sem dar notícia.

Muitas vezes a família não sabe o que fazer e vai atropelando decisões em nome do amor. É aí que o álcool demanda ajuda externa. Aos que observam de fora, a severidade com que o doente alcoólatra é tratado pode parecer cruel. Mas posso falar por mim: foi importante ser tratada duramente. Manipulei muitas pessoas e sobretudo a minha família no meu alcoolismo ativo.

O tema da família do alcoólatra vem sendo bastante abordado.

Dia desses vi a série “O Casal Perfeito”. A trama em si não importa aqui, mas sim as personagens. Acompanhamos os preparativos do casamento de um rapaz rico cujo pai é alcoólatra e apronta todas. Numa cena, ele, alcoolizado, invade o lançamento de um livro escrito pela mulher, autora de sucesso. Toma o microfone e fala horrores do casamento, que todos julgavam, como diz o título da série, perfeito.

O álcool nos tira da realidade e depois temos que lidar com as consequências. Já disse isso aqui, mas o alcoolismo é uma repetição de fatos e comportamentos. Uma vez, numa festa, eu mal conseguia ficar em pé, tamanho o estrago que o álcool fez comigo. Lá foram minha mãe e minha irmã me socorrer. Elas já estavam dormindo e se viram obrigadas a me buscar.

O álcool une os familiares e amigos, mas cansa. Ninguém aguenta ficar salvando a pessoa o tempo todo. Além disso, ele mascara outros problemas da casa. A doença vira o centro de tudo e dá margem para que outros deslizes aconteçam e passem ao largo.

Em o “Casal Perfeito”, um dos filhos da família “exemplar” rouba remédios fortes das nécessaires de todos os hóspedes e ninguém nota ou dá a devida atenção. Claro, já existem muitos problemas, aquilo acaba sendo fichinha. Toda atenção é pouco para uma família com problemas de adicção.

No meu caso, houve uma coisa boa: meu pai parou de beber de tanto que me viu encharcada de álcool. No mais, o que provoquei foi só tristeza. É preciso muita paciência das pessoas ao redor e até certo distanciamento, por mais cruel que possa parecer.

As clínicas, boas, ajudam, deixando longe os sentimentos familiares extremos. Com isso, as pessoas vão tendo tempo de se reestruturar. Claro, essa é apenas uma das alternativas, mas é um modo eficaz.


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Informação

Folha de São Paulo

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