Saúde

Mulheres superam a falta de orgasmo com exploração do próprio corpo e autoconhecimento

O orgasmo ainda é um tabu quando relacionado ao feminino. Muitas mulheres passam décadas sem tê-lo, e algumas nunca o alcançam. A anorgasmia pode ocorrer por diversos fatores, mas, como quase tudo na vida, é possível tratar essa condição para aquelas que desejam atingir o máximo prazer que o sexo pode proporcionar.

A publicitária Paula de Mello, 33, bissexual e sempre aberta sobre sua sexualidade, ficou surpresa ao descobrir que nunca havia atingido o clímax em uma relação sexual até os 29 anos. “Sempre fui vista como a Samantha [personagem sexualmente ativa da série “Sex and the City“] dos grupos. Mal sabia eu que o que eu achava ser um orgasmo, na verdade, não era”, relata.

A psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo afirma que “um terço das mulheres brasileiras não atinge o orgasmo”, segundo dados do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Abdo, coordenadora geral do programa de estudos em sexualidade, o ProSex, explica: “O orgasmo é um só; o que muda é o estímulo, que pode ser intravaginal ou clitoridiano”.

Ela também ressalta que há mulheres plenamente satisfeitas com suas vidas e relacionamentos, mesmo sem atingir o orgasmo. No entanto, a anorgasmia é um problema para aquelas que desejam experimentar o clímax.

No caso de Paula de Mello, seus bloqueios estavam relacionados a traumas do passado. “Emocionalmente, me tornei mais dependente das pessoas, porque não conseguia chegar a lugar algum sozinha. O ato de dar prazer parecia mais importante, pois eu não sabia como era receber”, revela Paula.

Após a pandemia de 2021, Paula decidiu experimentar a massagem tântrica, o que a ajudou a lidar com seus bloqueios emocionais e a redescobrir o prazer. “Hoje, não tenho orgasmos em todas as relações, mas agora sei diferenciar o ‘bom’ do ‘incrível’. Isso também me ajudou a aceitar que, às vezes, meu corpo simplesmente não está no momento certo”, afirma.

Não ter um orgasmo não é um necessariamente um problema

Carmita Abdo, que é autora do livro “Sexo no Cotidiano”, também observa que seus estudos dividem as mulheres em três grupos: aquelas que nunca atingem o orgasmo, as que respondem a estímulos intravaginais e clitoridianos, e as que só alcançam o orgasmo com a estimulação do clitóris.

A anorgasmia geralmente não tem uma causa física direta, mas está relacionada ao desejo e à excitação. Tanto homens quanto mulheres podem sofrer dessa condição.

Diversos fatores influenciam o orgasmo, incluindo questões emocionais e psicológicas, como estresse, ansiedade, depressão, baixa autoestima e traumas, explica a ginecologista especializada em saúde sexual Erica Mantelli.

Ela também aborda as disfunções sexuais, quando a mulher tem dificuldades persistentes em sentir desejo ou atingir o clímax. A baixa libido é um exemplo de disfunção sexual, considerada um problema se causar sofrimento. Outra condição é o vaginismo, que provoca contrações involuntárias dos músculos vaginais, dificultando a penetração. Ambas as causas são tratáveis, destaca Mantelli.

A advogada e influenciadora Lorena Moreno, 34, heterossexual, afirma que a insegurança foi o principal motivo de nunca ter atingido um orgasmo até os 29 anos. Críticas constantes sobre seu corpo afetaram sua autoestima e a fizeram acreditar que isso determinava sua vida amorosa.

“A dificuldade estava na minha própria aceitação e falta de confiança”, diz Lorena. “Eu achava que nunca conseguiria atingir um orgasmo ou ter uma relação saudável por causa do meu corpo. Sentia que ele não era feito para isso, que eu precisaria emagrecer para sentir prazer.”

Durante grande parte de sua vida, Lorena acreditava que o sexo terminava quando o homem gozava e não via seu próprio papel nisso. “Hoje, aos 34, tenho mais de seis vibradores. Saber o que você quer e ter essa troca consigo mesma, antes de com outra pessoa, foi fundamental para mim”, afirma. Lorena credita à terapia seu processo de autodescoberta.

Sexo é uma autodescoberta

A sexóloga Carmita Abdo ressalta que a mulher precisa explorar seu corpo e expressar o que gosta para melhorar sua experiência sexual. O estímulo adequado é essencial para o orgasmo.

Aos 20 anos, Ana Paula Silva, coordenadora de social media e heterossexual de 30 anos, começou a perceber dificuldades em atingir o orgasmo ao comparar suas experiências sexuais com as de suas amigas e ao se informar sobre o tema. “Percebi que as descrições sobre orgasmo eram muito distantes das minhas experiências sexuais até então. Foi nesse momento que entendi que tinha um bloqueio.”

Ela inicialmente pensou que faltava conexão com o parceiro ou que o problema estava com ela mesma, chegando a duvidar se era assexuada. Isso afetou sua vida afetiva, gerando dúvidas sobre o que havia de errado.

Embora seus pais não fossem religiosos, o sexo era tratado como tabu em sua casa. Sua mãe a alertava constantemente sobre os riscos de engravidar fora de hora, o que a fez associar o sexo a consequências negativas.

“A falta de educação sexual e o terrorismo psicológico afetaram minha capacidade de enxergar o sexo como algo prazeroso”, afirma.

Com a terapia, Ana Paula passou por um processo de redescoberta e superação de tabus emocionais, o que abriu novas perspectivas sobre sua sexualidade. “Foi uma experiência que mudou minha visão sobre sexo e despertou minha curiosidade para experimentar coisas diferentes.”

“O orgasmo fez uma grande diferença na minha vida sexual, na forma como me conecto com meu parceiro e, mais importante, com meu próprio corpo. Existe uma sensação de empoderamento, de que o corpo é uma ferramenta poderosa.”

A falta da comunicação e educação sexual

A sexóloga Carmita Abdo afirma que esse cenário poderia ser diferente para muitas mulheres e homens se houvesse um diálogo mais aberto sobre sexualidade e se a educação sexual fosse iniciada desde cedo. “Conhecer o próprio corpo e o do parceiro é fundamental. Além disso, a saúde emocional é crucial, principalmente entre adolescentes.”

Muitos jovens começam sua vida sexual de forma virtual, o que pode tornar a transição para o sexo presencial frustrante, já que a prática com outra pessoa é diferente da experiência online. Além disso, a falta de privacidade e tempo adequado contribui para frustrações, questões que muitas vezes não são abordadas na educação sexual tradicional.

“A sexualidade faz parte da nossa saúde integral, e falar sobre isso é fundamental. As mulheres precisam entender que é normal falar de questões sexuais, assim como falamos de qualquer outra dificuldade ou problema”, completa a ginecologista Érica Mantelli.

Esta reportagem foi produzida durante o 9º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que contou com o patrocínio do Laboratório Roche e do Hospital Israelita Albert Einstein

Informação

Folha de São Paulo

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