Saúde

‘Você está ocupando o leito de alguém que merecia mais’

“Você sabe onde está?” Foi isso que ouvi quando acordei meio zonza com uma luz branca na minha cara. Lembrava vagamente o que tinha acontecido. Estava num hospital depois de ter ingerido muita bebida alcoólica e alguns comprimidos ansiolíticos, mais conhecidos como tarja preta.

A dor que começou na cabeça se transformou em um tormento. A médica veio me dar um sermão dizendo que eu estava ocupando um leito de alguém que merecia mais. A culpa que senti foi gigante. Eu mesma não entendia por que estava ali, as coisas ainda estavam confusas para mim, mas ela insistiu em dizer que era um absurdo o que eu tinha feito.

A culpa aumentou. Olhava para os lados e via muitos doentes das mais diversas enfermarias, e o meu problema parecia ser o menor de todos. Pelo menos aos olhos da médica de plantão.

Essa não foi a única vez que enfrentei uma situação constrangedora em decorrência do alcoolismo. Também passei alcoolizada por alguns prontos-socorros, pedindo ajuda, e todas as vezes me encaminhavam para uma longa fila de espera. Com certo desprezo, eu notava. Entendo o despreparo. Quando alguém vê uma pessoa completamente alcoolizada, o primeiro passo é se afastar dela. Mas se a pessoa chega a um hospital, há dor. E isso deveria bastar.

Já faz mais de quinze anos que não passo por uma situação assim. Às vezes me pego pensando se os médicos têm avançado sobre esse assunto. Será que ainda tratam uma pessoa nas mesmas condições do modo como me tratavam?

Alcoolismo mata e precisa ser encarado como um problema urgente. Constato como é difícil vê-lo como uma doença que prejudica tanto e que tem tantos agravantes.

Claro que eu sou apenas uma alcoólatra que divaga sobre os mais diversos assuntos do universo que me cabe. Receio pelas pessoas que ainda sofrem com o álcool e ficam à deriva como fiquei muitas vezes. Sinto pena ao imaginar que alguém vai sofrer tanto quanto sofri e também se sentir tão culpado.

Espero que as políticas públicas incluam em seus programas um tratamento para essa doença. É preciso que esses profissionais da saúde recebam uma formação específica, que lhes proporcione um conhecimento profundo a respeito. Uma política de prevenção e um olhar sem preconceito são mais do que necessários. A bebida é o ansiolítico mais barato e é usado por toda população. Todo cuidado é pouco.


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Informação

Folha de São Paulo

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