Política

A revolução de Pablo Marçal não está sendo televisionada

Neste momento, as principais pesquisas indicam um empate técnico entre os candidatos Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB), mantendo o cenário aberto em relação às possibilidades de o ex-coach ir ao segundo turno. No entanto, mesmo que Marçal não avance, há sinais de que estamos testemunhando a emergência de uma “marçalização” da política que não deve se encerrar neste ciclo eleitoral.

Marçal é um dos pioneiros e principais representantes de uma poderosa junção entre religiosidade, métodos de desenvolvimento pessoal e busca por prosperidade. Uma de suas iniciativas mais relevantes, e que tem recebido pouca atenção, é a fundação do Quartel General do Reino (QGR).

O QGR não se identifica como uma igreja, mas como um “movimento”. Essa caracterização é estratégica, pois permite que o frequentador seja fiel a qualquer igreja ou, simplesmente, a nenhuma. O foco do movimento não é a adoração divina, mas o desenvolvimento pessoal dos seus integrantes, baseado em uma ética religiosa e disciplina militar.

A promessa do QGR é que, com fé, disciplina, técnicas de desenvolvimento pessoal e inteligência emocional, o indivíduo se transforma e, ao longo do tempo, prospera. O próprio Pablo Marçal é visto como a personificação desse modelo de sucesso, simbolizando excelência na constituição familiar, na fé, na capacidade física e na prosperidade econômica.

Marçal, como evangélico, veio da Videira, uma igreja que se expande a partir da criação de células nas casas de pessoas. É de lá que vem o know-how sofisticado para a estruturação do QGR. Bolsonaro não tem nada parecido. Apesar de ser visto como um líder e de agregar em torno de si pessoas que, em alguns casos, formam uma comunidade, não há nada com esse nível de estruturação.

Embora não haja dados disponíveis, os sinais observados indicam que o QGR está em plena expansão. Nas suas redes sociais, quase diariamente são anunciadas novas “células” sendo abertas por todo o país. O movimento certamente pode servir de base para uma candidatura de Marçal em nível federal. Presidente? Por que não?

O movimento de Marçal encontra, afinal, um terreno fértil. Vivemos em uma sociedade que afirma, de várias formas, que o indivíduo é aquilo que pode comprar. Um mundo onde a publicidade onipresente, direcionada por algoritmos, sugere que as experiências humanas adquiríveis no mercado são infinitas e prazerosas.

Por outro lado, os caminhos para usufruir das benesses materiais tornam-se cada vez mais difíceis. O “projeto de vida do trabalhador”, que outrora envolvia ascensão por meio do emprego formal na indústria, fracassou há décadas. Nos últimos anos, a via de ascensão por meio dos estudos também se estreitou. A classe média, cada vez mais escolarizada, vivendo próxima ao burnout e sem tempo para ter filhos, sobrevive, muitas vezes, de trabalhos intermitentes que ora se acumulam, ora faltam. A chegada da inteligência artificial indica, ainda, que menos vagas de trabalho serão necessárias.

Frente a esse quadro, as novas gerações, imersas nas redes sociais, cada vez dão menos importância para a educação formal. Esses jovens encontram seus sonhos e alternativas no mundo das apostas: seja nas bets, na tentativa de viralizar um vídeo, no OnlyFans ou no empreendedorismo digital, que requer menos capital que o tradicional. É um sonho difícil, que poucos alcançam. No entanto, as chances aumentam quando o indivíduo tem disciplina, motivação e fé para persistir diante das baixas probabilidades e dos momentos de dificuldade.

É isso que vende o mundo dos influenciadores de prosperidade, cujo maior representante é Marçal. Seu discurso alimenta sonhos e estratégias de ascensão. Sua agressividade expressa a raiva que muitos sentem contra o “sistema”.

Quem ainda acha que o fenômeno é vazio e efêmero corre o risco de ser surpreendido nas próximas eleições por uma política “marçalizada”, já institucionalizada em organizações como o QGR —que, por oferecer sonhos e alternativas, devem crescer e multiplicar-se.

Folha de São Paulo

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