Economia

Será o estímulo chinês um divisor de águas?

A China anunciou um pacote significativo de estímulo econômico, gerando euforia em alguns mercados e esperança em outros. Com a inflação em níveis extremamente baixos, as autoridades prometeram mais medidas para afastar o risco de não cumprimento da meta de crescimento de 5%.

As questões relevantes agora são duas. O risco de o país enfrentar uma estagnação semelhante à do Japão, marcada pela deflação, pode ser afastado? Quão importante é essa virada de política econômica para o resto do mundo, em especial para países exportadores de commodities?

A comparação com o Japão é inevitável. A taxa de crescimento do PIB chinês, que entre 1980 e 2010 foi de cerca de 10%, deve cair para aproximadamente 4% nos próximos cinco anos, segundo o FMI. No Japão, a queda foi de magnitude semelhante, com o crescimento médio passando de 7,25% entre 1946 e 1990 para apenas 0,8% entre 1991 e 2023. O país não só é um modelo a ser evitado como também traz lições importantes sobre o que deve ou não ser feito.

Estímulos fiscais e monetários agressivos foram utilizados, principalmente a partir de 2012, enquanto reformas estruturais foram deixadas de lado, não alterando a baixa média de crescimento. Seria esse o mesmo destino da China?

De fato, as reduções nas taxas de juros e as grandes injeções de liquidez nos mercados imobiliário e acionário foram medidas surpreendentes. Contudo, a parte fiscal a ser anunciada é ainda uma incógnita.

Tal como o Japão na década de 1990, Pequim, até agora, tem se mostrado cautelosa quanto à utilização de um estímulo fiscal abrangente, como fez em 2009-2010, quando o impulso foi da ordem de 12% do PIB. Essa cautela é compreensível, já que a razão dívida/PIB é hoje cerca de 85%, quase três vezes o que era naquela época (33% em 2009-2010).

Reformas estruturais são os maiores desafios para China, que está diante de um problema demográfico e queda na produtividade. As ações de apoio ao setor privado têm sido mais retóricas do que substanciais, em particular no que se refere à redução das restrições e intervenções governamentais. Sem reformas na seguridade social (incluindo previdência e saúde), necessárias para reduzir a poupança excessiva, o consumo discricionário das famílias fica restrito.

Sem um pacote fiscal substancial a curto prazo, será difícil manter as expectativas de crescimento em torno de 5% nos próximos anos e sustentar preços mais elevados de commodities. Até o momento, as medidas já anunciadas e a expectativa do que está por vir já deram um forte impulso para os ativos chineses e para o preço de algumas commodities, como minério de ferro e aço.

Para o Brasil, será fundamental saber qual a disposição do governo chinês em tornar o consumo interno a fonte de sustentação do PIB e se a crise no setor imobiliário será estancada.

Nossas exportações de commodities têm sido cada vez mais relevantes para o crescimento, para a arrecadação e para a geração de um elevado fluxo comercial. Em um cenário de economia andando de lado por aqui, tanto pelos juros domésticos altos quanto pela desaceleração global, será difícil vermos as medidas necessárias de contenção de gastos ao mesmo tempo em que poderemos ter uma queda da arrecadação.

Com o estímulo chinês, talvez consigamos empurrar para a frente os impactos negativos dos nossos desequilíbrios fiscais, como fizemos entre 2010 e meados de 2014. Mas um dia a conta chega, como chegou em 2015.

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Folha de São Paulo

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