Política

Vale a pena sacrificar convicções para não desperdiçar o voto?

Em eleições, é comum que eleitores recorram ao voto útil, escolhendo candidatos com mais chances de vitória, mesmo que não sejam suas primeiras opções. O objetivo é evitar o “desperdício de votos” e garantir que sua escolha tenha impacto, especialmente para impedir a vitória de um adversário indesejado.

Estudos de Bølstad, Dinas e Riera mostram que, após votar de forma estratégica, eleitores ajustam suas preferências para justificar a escolha, um fenômeno conhecido como dissonância cognitiva. Esse alinhamento entre voto e identidade política fortalece os grandes partidos e contribui para a polarização, dificultando o surgimento de alternativas políticas mais próximas dos anseios populares.

Thomas Fujiwara, em sua análise sobre o impacto das regras eleitorais no Brasil, acrescenta importantes elementos a essa discussão. Ele testou a Lei de Duverger, que afirma que sistemas de turno único favorecem o bipartidarismo. Fujiwara observou que, em municípios com menos de 200 mil eleitores, onde o voto é decidido em um único turno, o voto útil é ainda mais comum. Eleitores tendem a abandonar candidatos em terceiro lugar para apoiar os dois principais concorrentes, o que reforça a polarização.

Já em cidades onde há segundo turno, Fujiwara notou que os eleitores se sentem mais à vontade para votar em candidatos com menos chances no primeiro turno, sem medo de desperdiçar votos. Isso aumenta a pluralidade de escolhas e dá visibilidade a novas vozes, sugerindo que sistemas eleitorais mais flexíveis incentivam a diversidade política.

O fortalecimento dos grandes partidos por meio do voto estratégico tem consequências profundas no sistema político. Fisher e Riera destacam que isso reduz a diversidade partidária, mesmo em contextos onde a pluralidade poderia prosperar. No Reino Unido, por exemplo, o sistema eleitoral se concentra em dois grandes blocos, prejudicando partidos menores e novos movimentos políticos.

O papel da mídia e das grandes militâncias na construção da percepção eleitoral é central. Coberturas jornalísticas que destacam apenas os candidatos mais competitivos e as campanhas em prol do voto útil contribuem para marginalizar candidaturas menos competitivas no pleito atual. Ao favorecer candidatos considerados “viáveis”, reforçam a ideia de que apoiar candidatos menores seria completamente improdutivo, o que pode levar eleitores a ignorar alternativas que podem representar genuinamente suas ideias e valores.

Embora o voto útil seja uma estratégia válida em muitas situações, ele não deve ser visto como a única opção. Votar em um candidato que realmente representa os valores do eleitor, mesmo que tenha poucas chances de vitória, pode gerar benefícios a longo prazo. Uma votação expressiva pode se converter em capital político, trazendo visibilidade ao candidato e abrindo portas para cargos importantes, onde suas ideias podem ser implementadas. Além disso, o apoio contínuo pode aumentar as chances de sucesso em futuras eleições. Portanto, vale considerar o impacto de uma escolha ideológica, que pode influenciar o cenário político muito além da eleição atual.

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Folha de São Paulo

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