Economia

Mundo não será descarbonizado por filantropia, diz CEO da MoveInfra

A CEO do MoveInfra, Natália Marcassa, faz um alerta para a baixa efetivação de medidas de descarbonização do setor de infraestrutura. Em sua avaliação, o governo precisa criar condições para um diagnóstico preciso das emissões, traçar metas objetivas e implementar políticas públicas que induzam mudanças na direção de maior sustentabilidade.

“O mundo não será descarbonizado por filantropia. Se a gente esperar isso do mundo, vamos queimar a 50ºC”, afirma ela, à frente do movimento empresarial que reúne seis grupos de infraestrutura listados na B3 (CCR, EcoRodovias, Rumo, Ultracargo, Santos Brasil e Hidrovias do Brasil).

O setor está bastante movimentado este ano. Como avalia o cenário?
Tem uma consolidação do setor de infraestrutura, principalmente depois da criação do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), em 2016. Todo ano tem leilão, você sabe o que vai acontecer. Às vezes tem um período de baixa, mas vai ter [leilão]. O que a gente está vendo agora é fruto de uma política de Estado. A gente está conseguindo ter vários leilões este ano porque ninguém parou de fazer projeto. Tem um déficit muito grande, de R$ 300 bilhões segundo a Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). Tem muito mercado para isso. Quando a economia dá uma aquecida, isso volta rápido.

Um estudo da entidade diz que iniciativas de descarbonização são embrionárias. Por quê?
Vemos diversas discussões sobre esse tema, mas pouca consolidação e efetivação. Essa é a nossa crítica, o nosso alerta e a nossa oportunidade de construção. Em 2050 teria que estar tudo descarbonizado, já estamos em 2024. A gente até está participando da discussão do Plano Clima, mas cadê o plano? Não tem ainda um draft [rascunho]. O projeto de lei da descarbonização que está no Senado tem uma meta por equipamento, mas ainda não está desdobrado em setores. Falta política pública, regulamentação infralegal, política financeira de incentivos e direcionamento para cumprir esses objetivos.

Esse farol já não existe?
O farol existe. Não tem a meta, nem é setorizada, muito menos por empreendimentos. Tem que descarbonizar, vai ser em floresta, em transporte, em energia, vai ser onde? Quem está fazendo isso? Qual é a meta anual? Não tem isso. Nem a cobrança. Nossas associadas, como são listadas em Bolsa e muito do capital delas vem do exterior com essa obrigação, elas têm metas, mas que vêm de fora. Daqui a gente não tem.

A quem caberia estruturar isso?
Tem um dono dessa história, que é o MMA (Ministério do Meio Ambiente), e precisa receber esses inputs e informações dos ministérios setoriais. Até para ter uma meta, a primeira coisa é medir a situação atual. Tem setores em desenvolvimento que talvez tenham mais dificuldades, e tem setor mais desenvolvido que consegue descarbonizar mais rápido. Essas coisas precisam ser dosadas.

Como vê o nível de comprometimento das empresas? São investimentos significativos, e muitas vezes vemos, na verdade, lobby por incentivos que vão na direção contrária, beneficiando quem polui.
O objetivo das empresas é gerar lucro, não é ser descarbonizada. Nessas empresas listadas [em Bolsa], como as nossas, isso ocorre de maneira mais sistemática e organizada porque elas precisam dessa governança para tomar empréstimo. O mundo não será descarbonizado por filantropia. Se a gente esperar isso do mundo, vamos queimar a 50ºC. Tem que ter direcionamento. O comprometimento não vai vir de graça, mas precisa fazer. E acho que as empresas respondem rápido se tem a obrigação e uma fonte de financiamento. Nesse trabalho que a gente fez, [detectamos que] 70% dos terminais portuários não têm nem sequer inventário de emissões de carbono. Eles não têm porque não há obrigação.

Que mecanismos poderiam induzir esse processo? Subsídios?
Talvez para as empresas menores, discutir [recursos] a fundo perdido. Vou fazer analogia com o Minha Casa, Minha Vida. Tem faixa 1, 2, 3 e 4. Para quem é muito vulnerável, é faixa 1, subsídio. E para as empresas que tomam financiamento, um caminho já bem trilhado, mas que precisa ajustar, é o Fundo Clima do BNDES e o EcoInvest que o Tesouro está fazendo. Começa a ter ali uma taxa menor para projetos, mas o volume é muito pouco, e a restrição ainda é muito grande. O Fundo Clima tem R$ 10 bilhões, não dá para um projeto. Para o setor de transportes, só pode ter basicamente aquilo que é eletrificação. A nossa matriz ferroviária é de carga heavy haul [pesada]. Não existe ferrovia elétrica para minério de ferro.

O estudo sugere desconto progressivo no valor da outorga. Como seria?
Um instrumento muito potente é o próprio contrato de concessão. Já que tem que descarbonizar, já que é uma política pública, a Fazenda precisa dar sua contribuição também. Um pouco do que vai para a outorga, vamos deixar 1%, 2% para ajudar nisso, com meta no contrato?

Outro mecanismo sugerido é o incentivo tarifário para o usuário. Como funcionaria?
De novo, não tem filantropia. Como a gente faz as pessoas seguirem? Mexendo no bolso. Hoje já tem alguns incentivos tarifários, desconto para navio que usa combustível menos poluente, para terminais de uso privado que fazem um inventário de emissões de carbono. Não estou pensando só numa tarifa [menor] para quem tem um veículo elétrico. A gente pode pensar num desconto para as transportadoras que tiverem caminhões com menos de dez anos de uso, que vão emitir muito menos CO2.

Há ainda a proposta de colocar ações de mitigação previstas no projeto como critério de desempate nos leilões.
Isso é uma discussão de como selecionar o melhor player. Se faço um leilão só por menor tarifa, posso ter uma seleção adversa de um player que é muito agressivo e depois não vai conseguir cumprir o contrato. Fruto dessa primeira tese, começaram a botar indicadores econômico-financeiros, volume de capital social, outorga. O que a gente está provocando é se empresas comprometidas com o plano de descarbonização são players que a gente quer selecionar para um leilão de infraestrutura.


Raio-X | Natália Marcassa, 43

Graduada em economia, possui mestrado na mesma área e é especialista em transportes terrestres. Foi diretora da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), secretária-executiva do Ministério dos Transportes, subchefe de Articulação e Acompanhamento da Casa Civil e consultora no IFC (Corporação Financeira Empresarial, na sigla em inglês), ligada ao Banco Mundial. Desde 2022, é CEO do MoveInfra, movimento empresarial que reúne seis grupos de infraestrutura listados na B3 (CCR, EcoRodovias, Rumo, Ultracargo, Santos Brasil e Hidrovias do Brasil).

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Folha de São Paulo

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo