Saúde

A ignorância profetizada por Marçal, Milei e Maduro


Pessoas esclarecidas, dessas que ainda leem jornal todos os dias, andam descorçoadas com a produção intencional de ignorância por ex-coaches da estirpe de Pablo Marçal e Javier Milei. Parte delas, no entanto, se nega a enxergar que a ciência e a razão também estão sob a mira da esquerda, como a de Nicolas Maduro.

Verdade que ciência e razão já serviram de veículo para muita coisa ruim, da eugenia ao aquecimento global. Mas não é o caso de deitá-las fora, abrindo mão do que propiciam de bom, como o salto de produtividade com inteligência artificial (que é preciso regulamentar, e não temer).

Os próprios profetas da ignorância chamados de coach disfarçam como conhecimento científico as ideias mais doidas. Um lombrosiano que se descreve como ex-coach justifica a posição subalterna de mulheres dizendo que elas têm o crânio menor que o dos homens, o que as desqualificaria para liderança.

Anda na moda misturar sucesso com física quântica, DNA, vibrações. As pessoas compram, desesperadas com a vida miserável que levam, porque não enxergam alternativa racional para tirar o pé do lodo. Outras caem na teologia da prosperidade.

Milei tem direito de vender serviços como coach de sexo tântrico, como já fez, e otários têm direito de comprá-los. Preocupante é ver o treinador eleito presidente da Argentina, apesar de falar com cachorro morto e prometer privatizar a pesquisa, extinguindo o Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas.

Coisa que ele não fez, aliás. O Conicet segue existindo, mas com orçamento congelado, corroído pela inflação de 237% nos 12 meses até agosto, acarretando corte de bolsas de pesquisa de 1.300 para 600. Milei não rasga dinheiro, só desvaloriza o futuro.


Chocante é observar muitos dos que não se cansam de criticá-lo recusarem-se a reconhecer na Venezuela desastre ainda pior, porque mais antigo, produzido em nome do socialismo delirante, não do liberalismo idem. Não que se compare a produção científica do país com a brasileira ou a argentina, mas Maduro produz um êxodo notável de cientistas.

Saiu na revista Nature em 27 de setembro: pesquisadores temem o fim da ciência na Venezuela. A reportagem de Luke Taylor indica que eles não fogem só por falta de financiamento, mas por se sentirem asfixiados com o crescente controle e censura sobre a investigação científica.

O Ministério do Poder Popular para Ciência e Tecnologia registra 24 mil profissionais trabalhando em pesquisa e desenvolvimento, mas ao que parece essa cifra inclui até pessoal de manutenção. Levantamento dos próprios cientistas aponta não haver sobrado mais que 7.100 pares atuantes no setor.

O tamanho da crise bolivariana é conhecido: de um PIB de US$ 373 bilhões em 2012, a economia encolheu para US$ 106 bilhões em 2020. Estima-se que 8 milhões de habitantes deixaram o país, cerca de um quarto da população.

Há quem atribua tamanha tragédia ao efeito nefasto de sanções impostas pelo imperialismo (ou seja, Estados Unidos). Vale até reconhecer eleições manipuladas para sustentar uma ditadura, contradição que se usa há décadas para defender o indefensável em Cuba, Nicarágua, China, Irã…

Mais que cegueira ideológica, é produção deliberada de ignorância, que não difere tanto de Marçal e Milei.


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Informação

Folha de São Paulo

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