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A obsessão pela conversa final no fim da relação – 26/09/2024 – Equilíbrio

Quem nunca ouviu ou disse algo como “eu só queria entender direito o que aconteceu”, ou “acho importante ele ouvir meus pontos para concluir que as coisas não foram exatamente como ele pensa” ao justificar a necessidade da conversa final no fim de um relacionamento?

Responsabilidade afetiva é importante, claro, e o diálogo deveria fazer parte do pacote básico da mesma —pacote esse que parece ter sido extraviado do coração de muita gente, já que vivemos em tempos de epidemia de ghosting.

O que observo, no entanto, é que não são só aqueles que são deixados no silêncio absoluto que clamam pela tal conversa final. Esse pedido é comum em todos os términos e, não importa quantas conversas tenham sido feitas entre o atual ex-casal, um dos dois frequentemente reivindica a tal última interlocução, fixado na ideia de que ainda há mais alguma coisa a ser dita para que finalmente se chegue a um fechamento.

Acusamos aqueles que se recusam a nos encontrar pela última vez de estarem nos faltando com o respeito, sem notarmos que há excesso de apego e controle em nós, paladinos da responsabilidade afetiva.

A busca pelo fechamento esconde uma busca por respostas e reparações. Isso porque, na ausência do outro, quem nos faz companhia nas noites insones são os pensamentos intrusivos. Esse é o momento em que você tem certeza que só conseguirá dormir em paz e seguir em frente se tiver mais uma conversa para entender se ele e a Carla do RH já tiveram um caso. A questão é que na tarde vazia de domingo surgirá uma nova angústia, uma nova dúvida, uma nova vontade de passar alguns pontos a limpo.

Nessa ânsia por mais uma última conversa existe também um desejo —um tanto narcisista— de controlar a narrativa e a própria imagem. “Já que não poderei fazer parte de seu futuro, que ao menos saia tendo a certeza de que a versão do passado que será lembrada e contada me favorece.”

Iludindo-nos de que os tais diálogos poderão nortear a forma como o outro sente e metaboliza esse fim. Queremos reparação, desculpas retroativas, queremos ter razão. Queremos ter certeza de que a outra parte está se apropriando de todas as suas falhas e que compartilha a mesma versão dos fatos. Muitas vezes mais insuportável do que conviver com a ausência da pessoa é sustentar a presença do abismo da incompreensão.

Ingenuamente acreditamos que o encerramento é alcançado quando estamos convencidos de que o quebra-cabeça da história de nós dois foi montado de forma satisfatória, que as respostas foram alcançadas e, portanto, é possível seguir em frente. No entanto, não importa quantas conversas vocês tenham, examinando cada detalhe, cada palavra, na tentativa de entender por que a relação se quebrou, sempre faltarão peças.

Sei que é difícil sustentar as faltas —de respostas, de respeito, de reparação—, mas não são infinitas conversas com o ex que vão preencher o vazio que o fim do amor deixou. Talvez essa seja apenas mais uma tentativa de evitar o sentimento de abandono ou rejeição que, no fim das contas, está mais ligado à nossa própria reação ao término do que à ação do outro.

Provavelmente vocês terão versões diferentes da mesma história. Pode ser que ele nunca entenda o quanto te magoou. Talvez não haja consenso sobre quem tinha razão na discussão que vocês tiveram na frente da sua família. Eventualmente ele vai te culpar por coisas que você tem certeza que não são culpa sua. Assim como você fará também.

A obsessão pela conversa final nos coloca num looping de “preciso entender” que adia o processo mais importante do luto e da elaboração do fim amoroso, o “preciso sentir”. Algo acabou. É triste, dá raiva, saudades, angústia… É preciso sentir tudo isso. E sentimentos são sempre pessoais e intransferíveis.

Acredito que toda história de amor mereça um fechamento, mas acho que a responsabilidade por esse fechamento é nossa, e não do outro. Se ainda assim você acredita que o outro não teve responsabilidade afetiva, em vez de essa falta ser vista como uma ferida, pode ser um fator que nos ajude a colocar essa pessoa no devido lugar, tirando-a do pedestal da idealização. O famoso desapego não é só em relação à pessoa, mas à necessidade de controlar o desfecho.

Que você possa se permitir sentir o que não se entende e sustentar o vazio que surge no silêncio daquele que não está mais lá. Precisamos entrar em contato com nossos vazios para reorganizarmos nosso próprio quebra-cabeças emocional.

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Informação

Folha de São Paulo

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