Economia

Apostando a estabilidade financeira

O crescimento das bets é consequência de uma série de medidas que vêm sendo implementadas desde 2018. Não deveria causar surpresa o desenvolvimento do mercado de jogos e apostas online após sua liberalização.

Mas, considerando que o retorno esperado é negativo, não deixa de ser impactante que o volume movimentado seja tão expressivo, especialmente quando o perfil demográfico dos apostadores engloba pessoas em situação de vulnerabilidade social, a exemplo dos beneficiários do Bolsa Família.

Se a decisão de apostar faz pouco sentido do ponto de vista financeiro, por que então apostar? Há vários motivos que justificam essa escolha. Como torcedores, alguns acreditam ter maiores chances que os demais. Outros fazem apostas junto com amigos, mostrando que a dimensão social pode ser importante. Há também a influência das propagandas.

Independentemente do motivo, o fato de muitas pessoas estarem colocando dinheiro em apostas com retornos negativos tem implicações mais amplas sobre a estabilidade financeira das famílias. Se os recursos direcionados a bets substituem outros tipos de aposta ou formas semelhantes de entretenimento, a liberalização não causa maiores danos. Mas nos Estados Unidos já se sabe que as despesas com jogos e apostas online não estão sendo compensadas por redução em outros gastos.

Há aumento da inadimplência no cartão de crédito, assim como no nível de dívida, indicando que as famílias americanas estão se tornando mais endividadas para financiar o vício em jogos de azar. Naquele contexto, o que se vê são pessoas estourando seus orçamentos e tendo mais dificuldade para pagar as despesas do dia a dia.

A evidência também mostra que a legalização das bets implica o redirecionamento de recursos para apostas de retorno líquido negativo, em substituição a investimentos de retorno positivo. Isso reduz a poupança e aumenta a vulnerabilidade financeira das famílias no longo prazo.

Ainda não se sabe se esse será o caso no Brasil, mas há poucas razões para acreditar que tenhamos resultados diferentes. Duas observações dão suporte a essa visão.

Primeiro, considerando que as famílias mais pobres são justamente aquelas que mais investem em bets (como proporção da renda), é razoável que os efeitos sejam maiores no Brasil, onde a situação de pobreza é mais prevalente.

Segundo, apesar dos avanços na inclusão financeira, há poucos ganhos no letramento financeiro da população. Pesquisa do Banco Central mostra que 91,6% dos brasileiros já conhecem o Pix, mas que apenas 14,3% conseguem fazer um simples cálculo de juros.

A liberalização das bets não combina com pobreza e com baixa instrução financeira. Ela dilui todos os esforços destinados a promover a poupança, seja a incentivada, como a previdência, mas também a compulsória, como o FGTS, cujo saque vem sendo utilizado justamente para o pagamento de dívidas. Ela também reduz a eficácia dos programas assistenciais para superação de pobreza em famílias com restrições financeiras.

Qualquer regulamentação precisa levar em conta essa dinâmica e ponderar os efeitos deletérios que as bets exercem na nossa economia.

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Folha de São Paulo

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