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Contraceptivos artificiais foram rejeitados por papas importantes do século 20

Dois dos papas mais importantes do século 20, o italiano Paulo 6º (1897-1978) e o polonês João Paulo 2º (1920-2005), tiveram papel-chave na definição dos ensinamentos oficiais do catolicismo sobre a sexualidade conjugal e a geração dos filhos. Ambos rejeitaram com veemência o uso de contraceptivos artificiais, argumentando que o casamento deveria refletir a fertilidade da união entre homem e mulher presente desde as narrativas do livro bíblico do Gênesis.

As ideias defendidas por ambos reiteram posições tradicionais da doutrina cristã desde os primeiros séculos da Igreja —o cristianismo se opunha, por exemplo, ao uso de contraceptivos e abortivos que era comum na sociedade do Império Romano. Mas o magistério dos dois papas também é uma resposta às transformações tecnológicas do século passado e a mudanças nas demais igrejas cristãs.

Nos anos 1960, por exemplo, década na qual a Igreja Católica passou por uma série de reformas destinadas a melhorar o diálogo da instituição com o mundo moderno, Paulo 6º convocou uma comissão de especialistas, teólogos e bispos para analisar a questão do uso de formas artificiais de controle da natalidade. O momento correspondia à primeira onda de uso de anticoncepcionais orais femininos e à liberalização dos costumes sexuais. Além disso, denominações protestantes já tinham dado um aval cauteloso ao emprego de tais métodos.

Embora a comissão convocada por Paulo 6º tivesse recomendado que o pontífice também aprovasse a prática (com poucos dissidentes contrários à ideia no grupo), o papa não seguiu a opinião da equipe e reafirmou a proibição a todos os métodos contraceptivos artificiais. Ele resumiu seus argumentos no que acabaria se tornando o documento mais importante e controverso de seu papado, a encíclica “Humanae Vitae” (“Sobre a Vida Humana”), publicada em 25 de julho de 1968.

O pontífice italiano parte do princípio de que a união entre os membros de um casal inclui duas funções primordiais, complementares e igualmente importantes: a unitiva (o laço de amor entre os dois) e a procriativa (para a geração de novas vidas humanas). É um elo que refletiria a sacralidade do amor entre Deus e os seres humanos, bem como o papel de cada pessoa como participante da Criação divina, num processo contínuo.

“Quem refletir bem deverá reconhecer que um ato de amor recíproco que prejudique a disponibilidade para transmitir a vida que Deus, Criador de todas as coisas nele, inseriu segundo leis particulares, está em contradição com o desígnio constitutivo do casamento e com a vontade do Autor da vida humana”, escreve ele. “Usar desse dom divino destruindo o seu significado e a sua finalidade, ainda que só parcialmente, é estar em contradição com a natureza do homem, bem como com a da mulher e da sua relação mais íntima.”

Paulo 6º não se opõe ao uso de métodos naturais de contracepção, baseados na abstenção de relações sexuais quando a mulher está em seu período fértil, porque tal abordagem levaria em conta a natureza intrínseca do ser humano e seria um sinal da compreensão mútua dos ciclos e das necessidades de cada membro do casal. A encíclica também admite o uso de contraceptivos artificiais para fins terapêuticos, de maneira que impedir uma gravidez não seja o objetivo real, mas apenas um subproduto do emprego deles.

As ideias presentes em “Humanae Vitae” foram chanceladas e aprofundadas durante o pontificado de João Paulo 2º, em especial numa série de conferências do papa, feitas entre o fim dos anos 1970 e o começo dos anos 1980, reunidas como a “Teologia do Corpo” do papa da Europa Oriental.

João Paulo 2º defende, entre outras coisas, que a separação rígida entre corpo e alma é alheia ao pensamento cristão autêntico. Haveria uma união muito mais profunda entre essas duas realidades, o que significa que a dimensão espiritual da união amorosa e sexual entre marido e mulher teria um papel profundo que não deveria ser maculado pelo uso de anticoncepcionais.

Informação

Folha de São Paulo

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