Economia

Ferramenta do iOS 18 pode limitar receita de blogs, jornais e revistas digitais

Uma ferramenta do novo sistema operacional da Apple que oculta anúncios de publicidade em sites online pode colocar em risco as receitas de blogs, jornais e revistas digitais, dizem entidades que representam o setor.

O sistema iOS 18 foi lançado globalmente em setembro e, desde então, usuários de dispositivos eletrônicos da Apple, como iPhone e iPad, já podem utilizá-lo. No caso das versões mais antigas desses aparelhos, é necessário atualizar o software.

A ocultação dos anúncios é proporcionada pela ferramenta Controle de Distração, inserida no novo sistema. Ela foi divulgada pela empresa como uma forma de tornar o acesso online do usuário mais personalizado –com a ferramenta, por exemplo, é possível ocultar itens que os usuários acreditam atrapalhar a navegação, como banners de login ou conteúdo publicitário.

Esses dois exemplos, porém, são justamente as formas com que hoje blogs, jornais e revistas digitais monetizam seu conteúdo.

Alguns, como a Folha, optam por franquear o acesso aos textos apenas a seus assinantes, sendo necessário efetuar o login para lê-los. Já outros veículos têm conteúdos abertos, mas inserem anúncios publicitários na página –alguns aparecem a partir de plataformas específicas para esse fim, como o Google Ads, ou a partir de contratos entre os anunciantes e os próprios veículos.

Limitar esses anúncios ou a necessidade de efetuar logins nos textos, portanto, afeta a forma como os veículos arrecadam. Hoje, algumas ferramentas e extensões nos principais navegadores de internet já permitem essa restrição, mas essa seria a primeira criada por uma empresa do tamanho e acesso da Apple.

A diretora-executiva da Ajor (Associação de Jornalismo Digital) diz que a nova ferramenta da Apple vai afetar o ecossistema do jornalismo digital. “Sabemos dos riscos de dependência de um modelo de negócio controlado pelas big techs e, por isso mesmo, atuamos em direção à diversificação de fontes de receita, inovando em modelos para que essas mudanças tenham um impacto menor na sustentabilidade financeira do jornalismo”, afirma.

“A nova ferramenta da Apple desestabiliza e ameaça a sustentabilidade não só de veículos da imprensa tradicional, como também de organizações de mídia de pequeno e médio portes que desempenham um papel relevante em suas comunidades ao produzir conteúdos mais diversos e representativos da pluralidade do país”, complementa.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) está fazendo testes para avaliar o alcance do bloqueador e os efeitos da ferramenta. “Esperamos que a Apple revise essa nova feature [recurso], que afronta os modelos de financiamento do jornalismo. A Apple deveria se esforçar em criar produtos e processos que pudessem reforçar a sustentabilidade do jornalismo, uma atividade que é crucial para as democracias, e não o contrário”, afirma Marcelo Rech, presidente-executivo da associação.

A Folha tentou contato com a Apple, mas a empresa não respondeu até a publicação desta reportagem.

Em maio, quando o iOS 18 ainda não havia sido lançado, grupos de jornais britânicos já haviam alertado a Apple que qualquer movimento para impor a ferramenta colocaria em risco a sustentabilidade financeira do jornalismo.

Em uma carta enviada ao chefe de assuntos governamentais da Apple no Reino Unido, a News Media Association, que representa 900 jornais nacionais, regionais e locais, levantou preocupações sobre como isso afetaria as receitas digitais na indústria. Membros da NMA incluem The Times, The Guardian e The Daily Telegraph.

A perspectiva de um bloqueio automático de anúncios online causou considerável alarme entre os donos de jornais, que já enfrentam há anos uma disputa com big techs sobre a distribuição de receitas a partir da publicação de notícias em buscadores, como Google, e redes sociais, como o Facebook.

A Meta, por exemplo, decidiu no ano passado reduzir as notícias no Facebook, incluindo o fim do Facebook News e dos Instant Articles na Europa, o que reduziu o tráfego para grupos de mídia. Também encerrou um esquema de financiamento de jornalismo local no Reino Unido.

A carta da NMA dizia que “o bloqueio de anúncios é um instrumento bruto, que frustra a capacidade dos criadores de conteúdo de financiar sustentavelmente seu trabalho e poderia levar os consumidores a perderem informações importantes que de outra forma teriam sido muito úteis para eles”.

“Essa ferramenta pode ser o golpe de misericórdia no jornalismo. Já está comprovado que a publicidade migrou significativamente dos jornais impressos e até da radiodifusão para os meios digitais e, ainda assim, em patamares que não garantem a sustentabilidade das empresas jornalísticas”, diz Samira de Castro, presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).

“Ao bloquear a veiculação de anúncios online, a Apple simplesmente compromete ainda mais todo um ecossistema que já passa por dificuldades enormes em função da mediação das plataformas digitais para veiculação e acesso a conteúdos produzidos por jornalistas”, acrescenta.

Folha de São Paulo

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo