Política

Lula quer expor Tarcísio, mas sua briga hoje é com Campos Neto

Ao acertar o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) na mais recente salva de tiros contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o presidente Lula (PT) sabia exatamente o que estava fazendo: mirando o cenário que quer ver desenhado para 2026.

Ainda é cedo para saber a real extensão do impacto da tática de Lula, seu efeito estratégico lá na frente, mas é possível inferir alguns dos vários riscos a que ele se expõe no processo.

A real briga do presidente é com Campos. Operadores de mercado apontam que sim, o chefe do BC deixou-se marcar como um bolsonarista de quatro costados.

Daí a mirar a política de juros como um todo e ver o país pagar adiantado o preço de uma irresponsabilidade que se insinua é outra coisa. Aliados ponderam acerca da razoabilidade de Lula achar que os juros possam ser tachados de bolsonaristas em caso de um desastre na economia.

Primeiro, porque essa é uma discussão esotérica para o eleitor. Como mostrou o novo Datafolha, a aprovação e a reprovação de Lula não mudaram significativamente, e não irão enquanto emprego e inflação estiverem num diapasão favorável.

Se não estiverem, não há bode expiatório que resolva, cortesia do presidencialismo brasileiro, que coloca a cadeira principal do Planalto no centro do imaginário de tudo que ocorre de bom e de ruim no país.

Já a inserção de Tarcísio na disputa, ainda que de forma assessória, dá um caráter ainda mais eleitoral às preocupações de Lula e insinua uma abordagem diferente ao papel do nêmesis Jair Bolsonaro (PL) no balé da polarização do país.

Até aqui, o presidente mirou diretamente o antecessor, que de todo modo está inelegível até 2030. Ao falar diuturnamente do rival ao longo de um ano e meio, o petista alimentou a rede nada desprezível de apoio popular de Bolsonaro, na esperança de ressuscitar a fantasia da frente ampla em torno de si.

Impedido salvo viradas de mesa ora improváveis, o que Bolsonaro quer é continuar sendo o principal nome da direita, com direito a voto e veto de candidatos importantes deste campo, como a definição ora quase certa de um protegido seu para vice na chapa pela qual Ricardo Nunes (MDB) disputará a reeleição em São Paulo mostra.

Aí voltamos a Tarcísio. Tirado da manga pelo então presidente para uma campanha em que o PSDB estava fadado a desintegrar-se, herdou o capital eleitoral do tucanato no estado que governou por quase 30 anos e o somou à força do bolsonarismo, imprescindível na sua vitória.

Como dizem seus aliados, pode não ser um bolsonarista raiz, mas é um refém político do ex-chefe. Lula sabe disso e tenta marcá-lo como um integrante radical do grupo, ao lado de Campos Neto, contando com uma continuação da polarização mesmo sem o chefe dela por perto.

Novamente, é um trabalho complexo, assim com o do próprio governador, que ora faz gestos para agradar o centro, ora diz que não é um bolsonarista raiz, ora assume que é, mas não muito.

Do ponto de vista eleitoral, isso ainda será testado, mas administrativamente isso não parece afetar a aprovação do governador, até porque Bolsonaro foi o mais votado entre os paulistas, mesmo muito rejeitado. Tarcísio passou o primeiro ano nas sombras e agora surfa as ondas de entrega de obras que herdou da dupla João Doria/Rodrigo Garcia.

Com o caixa estadual em ordem, tem experimentado voos políticos, como a associação a Campos Neto. Mas este ainda não é seu meio, então resta a Lula querer expô-lo aos elementos deste meio, seja Tarcísio candidato ou não a presidente daqui a dois anos.

O senso comum mandaria ele ficar quieto em busca da reeleição em São Paulo, na hipótese de a economia não desandar a ponto de inviabilizar uma nova postulação de Lula. Neste caso, ter Tarcísio como o principal nome para vê-lo fora da disputa ajuda a desarranjar o campo adversário.

Mas cavalos encilhados são uma tentação, ainda mais com plateia: recentemente, um grande cacique do centrão promoveu um jantar para os principais atores da órbita rival à do PT, dizendo à mesa que apenas Tarcísio e Michelle Bolsonaro, pelo sobrenome, tinham chances em 2026.

Lula quer o governador testado não só por seu campo de centro-esquerda, mas pelo fogo do inferno das redes sociais bolsonaristas. Suas chamas crepitaram com intensidade sob o lombo de Wilson Lima (União Brasil) quando o governador do Amazonas sugeriu em entrevista ao jornal O Globo que a direita precisa ultrapassar a figura de Bolsonaro e apontou para Tarcísio.

Mas nada disso adiantará a Lula, ou a um nome seu, se houver uma crise mais aguda. Por isso a tentativa de fazer do comportamento de Campos Neto um seguro vem antes do embate com Tarcísio, por mais arriscado que seja tal movimento.

Folha de São Paulo

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