Economia

Orgulho chinês, avião C919 avança aos poucos para o mercado global; veja vídeo

A mensagem diante de cada passageiro acomodado no voo MU9192, em chinês e inglês, anuncia que ele é “o primeiro C919 do mundo”. O aparelho entrou em operação em 28 de maio do ano passado.

Agora são nove deles no ar, por três companhias diferentes, fazendo de três a quatro voos diários cada um, entre grandes cidades como Guangzhou, Hangzhou, Pequim e Xangai. Somam perto de 4.000 voos até agora, com meio milhão de passageiros transportados.

Para angústia dos fãs chineses, que seguem toda novidade sobre o avião em mídia social, os reguladores, as companhias e a própria fabricante —Comac, de Xangai— não têm pressa.

Na última semana, um deles aterrissou pela primeira vez no aeroporto de Lhasa (Tibet), a 3.569 metros acima do nível do mar, para iniciar testes em altitude elevada. Outro usou pela primeira vez combustível sustentável de aviação, entre Pequim e Xangai, também iniciando testes que vão até o fim do ano.

No voo comercial diário em que a Folha embarcou, mesmo quando instados a comentar, passageiros chineses diziam já perceber a viagem como rotineira. De fato, do espaço para as pernas ao serviço de bordo, nada é muito diferente dos modelos da mesma categoria, nas companhias aéreas do país. Talvez o ruído baixo, que mal se percebe.

Uma exceção entre os passageiros foi Simon Zhang, executivo com experiência maior de voos no exterior. “Eu sou tão orgulhoso dele”, comentou, aguardando para coletar a bagagem na esteira do aeroporto de Hongqiao, em Xangai. “Viajo por muitas companhias, Emirates, Turkish Airlines, elas também são boas, mas voar num aparelho nacional, ‘made in China‘, é uma experiência.”

É um avião para menos de 200 pessoas, abaixo das novas gerações do Boeing 737 e do Airbus A320, com os quais pretende concorrer, e sobretudo aquém daqueles usados nas rotas internacionais. “Ainda temos um longo caminho pela frente, mas pelo menos demos o primeiro passo”, diz Zhang. “É nosso avião, nós o fizemos.”

Por enquanto, ele está restrito às três companhias chinesas de maior porte, Eastern, Southern e Air China, que já encomendaram cem aparelhos cada uma. A expectativa vem crescendo agora em relação ao mercado internacional, pelo suposto interesse que teria levantado em países do Sudeste Asiático e do Oriente Médio.

Depois de uma inspeção da agência de segurança aérea europeia, realizada há três meses e que teria deixado uma boa impressão, ao menos segundo a imprensa chinesa, a projeção é que os primeiros sejam vendidos ao exterior no ano que vem.

Neste mês, como noticiou o site Aeroin, a brasileira Total Linhas Aéreas virá à China a convite da Comac para avaliar aquisições, inclusive do C919. A agência Reuters acrescentou que, segundo a companhia sediada no Paraná, poderiam ser até quatro aparelhos. A negociação ocorre em meio às conversas para que companhias chinesas também comprem aviões da Embraer.

O engenheiro brasileiro Daniel Xie, pós-graduado na Universidade Beihang, de Pequim, onde o C919 foi desenvolvido, diz que a ansiada certificação europeia e também a americana são parte de um vaivém que abrange as próprias encomendas chinesas de aviões da União Europeia e dos Estados Unidos. “Airbus e Boeing são meio que usadas como carta de negociação”, afirma.

A negociação que abrange ainda a proporção de componentes importados no C919. A China estaria mantendo fornecedores da Europa e dos EUA na montagem do avião para “facilitar a regulamentação europeia e estadunidense”.

Por outro lado, essa é uma característica da indústria chinesa, segundo Xie, que hoje é diretor de uma empresa sino-brasileira fundada no distrito tecnológico de Pequim, Zhongguancun, chamada Geoespaço. “Eles vão usando esses componentes internacionais para ter o avião em funcionamento e, aos poucos, trocar por nacionais”, diz.

Ele confirma que, como escrevem analistas chineses, a indústria aeronáutica e as máquinas de litografia, estas para produzir chips avançados, são as duas fronteiras de tecnologia que a China ainda precisa alcançar. “Porém o maior desafio neste momento para a aeronáutica chinesa, tanto civil como militar, não é montar avião, mas o motor, a turbina”, diz, acrescentando que ela está a caminho.

“Estão testando. A última informação que recebi sobre o novo motor é que a Comac escreveu uma carta para a fábrica chinesa agradecendo pela ajuda na certificação [chinesa da turbina]. Ou seja, está muito perto de conseguir autorização de voo. Existe grande possibilidade de que essa turbina seja colocada no avião no ano que vem.”

No momento, o C919 usa o motor Leap-1C, da joint venture franco-americana CFM, que reúne Safran e GE. A alternativa em desenvolvimento é o CJ-1000, da chinesa AECC, também de Xangai.

Paralelamente, a Comac desenvolve o C929, aparelho para cerca de 300 passageiros, para concorrer com Airbus e Boeing em voos internacionais. “No início deste ano, disseram que já está na fase de projeto”, diz Xie. “É quando começa a fabricação de componentes. Aí vem a parte de montagem, depois teste, depois conseguir permissão de voo. É para entrar em operação por volta de 2035.”

Folha de São Paulo

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