Saúde

Pacientes à espera de transplante sofrem para manter contas em dia

O porteiro Valdecir Epifânio, 61, descobriu que precisaria de um novo rim durante um exame de rotina, em 2006 —um deles operava com apenas 25% da capacidade. “Os médicos me diziam que eu era uma ‘bomba’”, diz.

O diagnóstico de Valdecir iniciava um problema comum entre aqueles que esperam por um novo órgão: equilibrar as contas enquanto aguarda um transplante.

À época, Valdecir recebia cerca de R$ 4.500 de salário como segurança de carro-forte. Quinze dias após ser afastado, deu entrada no INSS para receber pela incapacidade temporária, válida por 180 dias. A perícia negou o benefício e ele caiu em um limbo jurídico.

A empresa e o INSS se recusaram a pagar pelo período de afastamento. Sem acionar a Justiça, Valdecir ficou em um jogo de vai e vem. “Eu fiquei seis meses sem receber”, conta. As despesas domésticas foram custeadas por uma poupança da família, que ia minguando.

Ele só voltou a receber salários após a empresa decidir alocá-lo em uma nova função, e o auxílio do INSS só foi concedido em 2015, quando iniciou a diálise três vezes por semana antes do transplante em um hospital conveniado ao SUS (Sistema Único de Saúde), no centro de São Paulo, um ano e meio após os médicos decidirem inseri-lo na fila.

“Foi graças à misericórdia de Deus que tinha recursos guardados”, diz.

Segundo a presidente da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos), Luciana Haddad, os impactos financeiros entre quem espera por um órgão variam em cada caso.

“Depende do órgão, do tempo de adaptação, se a pessoa é a única provedora, quantas pessoas ela sustenta, se zerou a renda e se tem uma renda do INSS”, diz. De janeiro a junho, 64.265 adultos estavam na lista de espera do Sistema Nacional de Transplantes, segundo dados da ABTO. “É um custo quase intangível”, diz.

Em 2017, um estudo assinado por Haddad a partir de 482 pacientes à espera de um fígado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, calcula que os custos hospitalares —incluindo equipe médica e exames— da fila por um novo fígado custaram o equivalente a cerca de R$ 18 milhões à época.

Para a especialista, o impacto na renda familiar é freado pelo SUS, que custeia 87% destes procedimentos no país. “Isso inclui todos os profissionais no processo de doação de órgãos, que vai de enfermeiros e médicos, a custos operacionais dos exames”, explica.

Segundo o Ministério da Saúde, R$ 96 milhões foram investidos no custeio de transplantes no país entre 2023 a junho de 2024. O sistema público organiza a fila e ressarce cada transplante feito pelos hospitais públicos e privados conveniados para o procedimento, diz.

No pós-operatório, os receptores também têm direito a imunossupressores como o tacrolimo, incluído na lista de medicamentos de alto custo do SUS.

É o caso de Michelle Luckesi, 31, que aos 18 anos foi submetida a um transplante de emergência após o fígado entrar em falência —hoje, ela recebe imunossupressores pela rede pública.

“Sem esse serviço, provavelmente não estaria viva”, diz. Apesar disso, ela afirma ter perdido o convênio e tido complicações após o transplante.

Entre idas e vindas a UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), diz que o atendimento demorava, o que lhe causou repetidas demissões de empregos como recepcionista e na área do comércio. “Eu ficava sempre doente e, quando eu voltava, era óbvio que as empresas me mandavam embora”, diz.

Para manter as finanças, acionou a Justiça para receber o direito de aposentadoria por invalidez por hepatopatia grave.

“Consigo ter uma vida mais segura em casa”, diz. Hoje, também se dedica a incentivar a doação de órgãos a seguidores nas redes sociais.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma ter realizado 14.325 transplantes pelo SUS entre janeiro e junho, número maior que todo o ano passado, quando foram registrados 13,9 mil operações no mesmo período. A pasta também afirma que a doação de órgãos é um ato de “solidariedade” capaz de salvar vidas e restabelecer funções vitais a pessoas gravemente enfermas.

Valdecir voltou a trabalhar como segurança de carro-forte seis meses após o transplante, por decisão do INSS. Assim que retornou, porém, foi demitido. Hoje, trabalha como porteiro em um condomínio no Carrão, na zona leste de São Paulo, e se aposentou por tempo de contribuição em 2018, o que o auxilia nas contas de casa.

No hospital conveniado ao SUS, onde recebeu o novo rim, foi apelidado de “coronel” por ter recebido o órgão de um militar de 43 anos, vítima de um AVC (acidente vascular cerebral).

A cada três meses, o “coronel marcha” até uma unidade de saúde pública na zona leste para acompanhamentos e recebe em casa imunussoprossores. “Se tiver que correr, corro. Se tiver que fazer caminhada, caminho. Não sinto mais nada”, diz.

Informação

Folha de São Paulo

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