Saúde

Terapia à base de luz reduz resistência de bactéria a antibióticos

Como tem sido cada vez mais difícil desenvolver antibióticos capazes de debelar bactérias resistentes, especialmente as que atingem o aparelho respiratório, o caminho trilhado por um grupo de cientistas foi o de tentar enfraquecê-las para que as substâncias disponíveis para o tratamento tenham mais eficácia. E ele se mostrou promissor.

Pesquisa publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) aponta que a inativação fotodinâmica (PDI, na sigla em inglês para photodynamic inactivation) apresentou característica inovadora ao modificar o grau de sensibilidade bacteriana aos antibióticos de acordo com as dosagens, reduzindo a resistência e a persistência dos microrganismos.

O grupo, liderado pelo físico e engenheiro de materiais Vanderlei Salvador Bagnato, trabalhou com Staphylococcus aureusbactérias que podem causar desde infecções cutâneas até pneumonia– encontradas em material coletado de pacientes. Ficou demonstrado que o efeito da ação fotodinâmica “quebrou” a resistência dessas bactérias após a aplicação de cinco ciclos de PDI.

A fotodinâmica utiliza luz e um fotossensibilizador que, em contato com a luminosidade, ganha energia e inicia uma série de reações com o oxigênio no local, causando oxidação e destruindo o microrganismo ou diminuindo sua resistência aos antibióticos.

Os pesquisadores usaram a curcumina (com dosagem de 10 microgramas/ml) como fotossensibilizador e trabalharam com os antibióticos amoxicilina, eritromicina e gentamicina. Depois das cinco aplicações da inativação fotodinâmica, detectaram que a Staphylococcus aureus ficou mais suscetível aos efeitos da gentamicina, apesar de outros dois antibióticos também terem se mostrado eficazes no “ataque” ao microrganismo após as sessões.

“Descobrimos que fazendo o processo fotodinâmico às vezes não é possível matar a bactéria, mas conseguimos destruir parte dos mecanismos que ela utiliza para se tornar resistente. Daí veio a ideia de tentar um choque oxidativo para torná-las novamente suscetíveis aos antibióticos”, diz à Agência FAPESP o professor Bagnato, que coordena o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF).

Ligado ao Instituto de Física de São Carlos da USP, o CePOF é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP, que também financiou o estudo por meio de outros dois projetos (14/50857-8 e 19/12694-3). O trabalho tem como primeira autora a pesquisadora Jennifer Soares, que foi aluna de doutorado da professora Kate Cristina Blanco, que também assina o artigo, e de Bagnato.

Cenário

A OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a resistência antimicrobiana como uma das dez principais ameaças à saúde pública no mundo. Ela ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações ao serem expostos a antimicrobianos, como antibióticos e antivirais, por exemplo.

Recentemente, a lista de bactérias que mais ameaçam a saúde humana foi atualizada –a primeira versão havia sido lançada em 2017 pela OMS. O novo documento, divulgado em 17 de maio, contém 15 famílias de bactérias resistentes a antibióticos agrupadas em categorias de priorização crítica, alta e média. A lista serve de referência para o desenvolvimento de novos tratamentos.

Estima-se que cerca de 1,2 milhão de mortes são causadas por bactérias resistentes a cada ano e quase 5 milhões de óbitos estariam indiretamente associados a elas. O custo global do problema, de acordo com a OMS, pode chegar a US$ 100 trilhões até 2050.

Segundo relatório da própria organização, de cada cem pacientes internados em hospitais para cuidados intensivos, sete —em países de alta renda— e 15 —nos de baixa e média renda— contraem ao menos uma infecção associada a microrganismos resistentes. Em média, um a cada dez pacientes infectados morrerá por esse motivo.

Já a chance de novos antibióticos serem autorizados pela FDA (agência que regulamenta drogas e alimentos americana) para estudos clínicos em humanos é de 6 em 10. Além disso, a probabilidade de os tratamentos aprovados serem uma nova classe de antibióticos é de apenas 25%, reduzindo assim a possibilidade de atacar a resistência bacteriana pelo fato de a maioria dos novos antimicrobianos derivar de classes já existentes.

Bagnato explica que vem trabalhando há alguns anos particularmente com foco em pneumonia resistente, um dos tipos que mais levam à morte em unidades de tratamento intensivo quando se trata de casos de infecção resistente a antibióticos.

“Estamos perto de publicar outro artigo demonstrando uma técnica aplicada diretamente no pulmão. O paciente inala uma molécula indutora, fazemos a iluminação extracorpórea com infravermelho e reduzimos a resistência do microrganismo, combatendo a pneumonia, por exemplo”, diz.

Informação

Folha de São Paulo

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